O atributo é forte, mas revela como poucos o conteúdo da paternidade irresponsável, aquela, por exemplo, em que o pai apenas contribui com a relação sexual (material biólogo), ou quando registra a criança (dá o nome) para, na sequência, abandoná-la material e afetivamente.
Logo, o aborto paterno cuida-se de aborto de pessoa viva, mas, ainda assim, outra coisa não é senão um “descarte” do filho que trouxe ao mundo.
Pois o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, afirmou que a falta de vínculo de socioafetividade pode levar à desconstituição da paternidade registral.
Decisão do STJ sobre Paternidade e Socioafetividade
Sim, em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a desconstituição da paternidade requerida por um indivíduo, a fim de que constem em seu registro de nascimento apenas os nomes de sua mãe e dos avós maternos, bem como sejam extintos os deveres recíprocos – como os de natureza patrimonial e sucessória.
Segundo o referido Tribunal Superior, “Constatada a inexistência de vínculo de socioafetividade entre o autor e seu genitor, bem como evidenciada a quebra dos deveres de cuidado do pai registral, consubstanciado no abandono material e afetivo do filho, verifica-se a possibilidade de rompimento do vínculo de paternidade, ante o descumprimento do princípio constitucional da paternidade responsável”, como destacou a Ministra relatora do recurso, Nancy Andrighi.
No caso concreto, a ação de desconstituição da paternidade foi ajuizada sob o fundamento de que o autor – um jovem de 25 anos anos de idade – sofreu abandono afetivo e material (o pai em nada contribuía para sua subsistência), bem como foi alvo de estigmatização devido a um crime cometido por seu pai.
Em razão do bullying que sofria em razão do sobrenome do pai, o autor precisou trocar diversas vezes de escola. No tópico, aliás, quando ele tinha apenas 7 anos, em 2009, logo após o crime, o mesmo autor já havia sido autorizado judicialmente a suprimir o sobrenome paterno, passando a utilizar apenas o sobrenome da mãe.
Acreditam que, depois que, em primeira e segunda instâncias, a Justiça autorizou o rompimento do vínculo de paternidade, o pai recorreu ao STJ, sob o argumento de que o crime pelo qual foi condenado não deveria impedir o exercício da paternidade?
Pois é… mas o recurso do pai não foi provido; o abandono moral e material, aliado à ausência de socioafetividade foram suficientes para convencer o Poder Judiciário a acolher o pedido de desconstituição do vínculo de paternidade, bem assim a quebra dos deveres recíprocos de cuidado e sucessão.
A Ministra Relatora destacou que as decisões do STJ são baseadas em uma concepção de família que não tem mais seu fundamento apenas no vínculo biológico, mas, também, na socioafetividade como igual fonte de parentesco. E, “Se a presença de socioafetividade autoriza o reconhecimento de vínculo de filiação, é possível compreender que a sua ausência implicaria o seu rompimento”, comentou.