Opinião

O raio que o parta

Confira o artigo semanal da Dra. Silvia Regina Becker Pinto

O raio que o parta

Coisa bem chata é sofrer danos decorrentes da inutilização de equipamentos elétricos, eletrônicos, móveis e imóveis, em razão de oscilação de energia elétrica ou mesmo de descarga elétrica atmosférica (um raio), né?

Dispõe o artigo 37, § 6º, de nossa Constituição Federal – que é o documento inaugural e instituidor de toda nossa ordem jurídica – que a responsabilidade do Estado é objetiva e, nesse contexto, também a dos concessionários de serviços públicos de fornecimento de energia elétrica.

Aliás, a jurisprudência do STF já assentou que “a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, é responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa’ (RE 178.806-RJ – Min. CARLOS VELLOSO – 2ª Turma – DJU 30.06.96 – pág. 20.485).

Ademais da responsabilidade objetiva, é sempre oportuno pontuar que a própria responsabilidade civil, na hipótese, ainda que não fosse com o respaldo do artigo 37, § 6.º, da Constituição, encontraria fundamento no Código de Defesa do Consumidor ou no risco da própria atividade das concessionárias de serviços públicos de fornecimento de energia elétrica.

O que isso quer dizer exatamente? Em palavras bem simples, isso significa que o prejudicado não precisa provar a culpa da empresa fornecedora de energia elétrica; apenas demonstrar que o fato (dano) ocorreu e o nexo causal, ou seja que decorreu imediatamente da oscilação de energia ou descarga elétrica.

Simples, não é mesmo? Não, absolutamente. Não obstante quaisquer argumentos legais e constitucionais, não pense que o caminho a percorrer para você se ver indenizado seja fácil e prazeroso. Por vezes, a burocracia é tão desgastante que a pessoa até desiste de ir atrás do respectivo ressarcimento dos danos materiais. Prefere suportá-los ao desgaste da correspondente reparação.

Afinal, como provar que a inutilização total ou parcial de equipamentos elétricos, eletrônicos, móveis e imóveis, decorreu em razão de oscilação de energia elétrica ou mesmo de descarga elétrica atmosférica? Fazer um BO?

Sinto muito, mas o BO que documenta a narrativa do fato e as impressões pessoais do prejudicado são insuficientes para fazer prova do nexo entre o fato e a consequência. Você ainda está num mato sem cachorro!
Como, então, fazer o raio dessa prova?

Primeiro, não repare você mesmo os danos. Solicite, formalmente (algumas concessionarias têm no seu Portal in link específico para eles fim), à sua concessionária de energia elétrica, uma análise de causa para efeitos de ressarcimento. Isso deve ocorrer no máximo até 90 dias após o evento que deu causa ao dano, conforme Resolução n.º 14 da ANAEEL.

A solicitação deve ser realizada pelo titular ou representante legal da unidade consumidora. A partir da notificação formal, a Concessionária realizará uma vistoria no bem danificado e nas instalações elétricas, inspeção essa que ocorrerá no local do fato danoso em 10 dias corridos do protocolo de solicitação.

Em 15 dias corridos da vistoria ou, se dispensada pela Concessionária, do protocolo de solicitação, seus danos devem ser ressarcidos.

Se tudo isso na funcionar, resta a via judicial. A prova do nexo causal entre a oscilação ou descarga elétrica e o seu dano ainda é ônus seu. Prepare-se com um laudo ou para produzir prova pericial (neste caso, você não poderá demandar no Juizado Especial Cível, onde não há espaço, pela complexidade, para perícias).

E já fico exausta só de pensar em enfrentar essa via crucis. Acho um saco. Mas se a pessoa não se fizer respeitar em seus direitos, quem o fará? Justiça é caso de exercício de cidadania.