
Escrevi outro dia sob esse tema. Hoje, quero abordá-lo sob outro enfoque: o das prisões preventivas que se eternizam e se transformam em verdadeiro cumprimento antecipado de pena.
Existe um entendimento segundo o qual, nos processos de competência do Tribunal Júri, uma vez que o réu já foi pronunciado para julgamento pelo Júri Popular, não há mais que se falar em excesso de prazo na instrução.
Por outro lado, como direito e garantia fundamental, nossa Constituição Federal, no artigo 5.°, inciso LXXVIII, dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Em paralelo a tudo isso, com igual matriz constitucional, nossa ordem jurídica consagra o princípio-garantia da presunção de inocência, princípio este que não está ligado à determinada fase do processo: enquanto não definitivamente condenada, uma pessoa deve ser considerada e tratada como inocente.
Isso não significa que está vedado prender uma pessoa antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatório. Porém, essa prisão não pode configurar cumprimento antecipado de pena. Será sempre uma prisão para acautelar o processo que, a seu turno, deve ter uma duração razoável.
O que percebo é que essa teoria, na prática, é falaciosa, porque a Jurisdição, não raro, transforma a prisão cautelar em inequívoca antecipação de pena, no que conta com amplo apoio popular, pois há um clamor público pela prisão imediata de quem cometeu um delito.
O Caso Damaris Vitória Kremer da Rosa
No caso de Damiris Vitória Kremer da Rosa (36 anos), isso foi ainda pior, porque ela foi mantida presa, preventivamente, por quase seis anos, quando, finalmente, foi absolvida pelo Tribunal do Júri. Mas ela morreu dois meses depois de ser julgada e absolvida, devido a um câncer de colo de útero que ela desenvolveu na prisão.
Que prisão provisória (preventiva) foi aquela que durou seis anos? Se Damaris tivesse sido condenada a 14 anos de prisão, já teria progredido de regime e contaria com tempo para livramento condicional. Ela foi mantida presa, fechada, só lhe sendo deferida a prisão humanitária (domiciliar) em março deste ano (poucos meses antes de sua morte), devido ao seu estado de saúde.
Sejamos sinceros: o Estado impôs à Damaris o cumprimento antecipado de pena por um crime pelo qual ela foi absolvida e cuja autoria sempre negou.
Não tenho dúvidas que que o Estado teve grande responsabilidade pelo câncer que ela desenvolveu e por não ter podido se sujeitar ao adequado tratamento. O Estado ajudou a matar Damaris, além de suprimir seis anos de vida e liberdade.
Tribunal do Júri e Excesso de Prazo
Também não tenho dúvida de que é igualmente falacioso o argumento de que, nos processos de competência do Tribunal Júri, uma vez que o réu já foi pronunciado para julgamento pelo Júri Popular, não há mais que se falar em excesso de prazo na instrução, à medida que, na segunda fase do processo de júri, também existe instrução, apenas que esta se dá
perante os jurados.
É preciso rever esse posicionamento, porque ele padece de inconstitucionalidade, servindo apenas para camuflar verdadeiro cumprimento de pena antecipada, configurado postura odiosa e arbitrária.