Alguns tipos de homicídio são qualificados e, por isso, permitem maior reprovabilidade, isto é, têm uma pena bem mais elevada.
Tanto é assim que o homicídio simples tem pena, em abstrato, de 6 a 20 anos de reclusão, ao passo que o homicídio qualificado tem pena de 12 a 30 anos de reclusão.
O meio empregado para a prática do homicídio pode qualificá-lo; torná-lo mais reprovável. O artigo 121, § 2º, inciso III, do Código Penal prevê que o homicídio é qualificado – e, portanto, tem pena mínima de 12 e máxima de 30 anos de reclusão -, quando perpetrado com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.
Outro dia, vi uma denúncia que dizia que o crime de homicídio foi cometido por meio cruel, porque praticado em frente aos filhos do casal. O réu foi assim pronunciado e a defesa deixou isso transitar em julgado.
Não tenho dúvidas de que matar a mãe em frente aos filhos seja algo absolutamente horrível. Abominável. Mas isso não é meio de matar alguém e, sim, circunstâncias do crime, e nem o Ministério Público nem o Juiz são legisladores.
Feminicídio como Crime Autônomo
Em 2024, o Legislador tipificou o Feminicídio (incluído pela Lei nº 14.994) como crime autônomo. Inseriu no Código Penal o artigo 121-A, descrevendo, no “caput”, a conduta como sendo a de “matar mulher por razões da condição do sexo feminino”.
A Lei nº 14.994, de 2024, ao criar o crime autônomo do Feminicídio, previu várias causas de aumento de pena, entre elas, dizendo que a pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima.
Vejam que, aqui, o Legislador previu, especificamente, como causa de aumento pena o fato de o feminicídio ser praticado na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima.
Poderia o juiz, na denúncia que referi, ter pronunciado essa circunstância como qualificadora do feminicídio (antes da vigência da Lei nº 14.994/2024), interpretando-a como “meio cruel”?
Esse é um ótimo debate.
Tenho que não poderia e explico. No Direito Penal, impera o princípio da legalidade estrita. Se a lei não diz expressamente algo, não há que se “criar” uma causa de aumento de pena que a lei não contempla. Não haverá aí adequação típica. Demais disso, não pode haver interpretação em desfavor do réu em matéria penal.
O Meio Cruel no Homicídio e Feminicídio
Sem embargo, o meio cruel é aquele em que o autor do homicídio intenta, como o meio eleito para matar a mulher, por questão de gênero ou no contexto de violência doméstica (uma qualificadora por si só, antes da Lei nº 14.994/2034) inflingir, com a maneira de matar, infligir um maior sofrimento à vítima. Por exemplo, do reiteradas facadas e vagarosamente, para que ela sofra mais para morrer.
Frise-se, é “meio” (instrumento) de matar e não circunstâncias do crime. Então, não creio que andou bem, no caso que examinei, nem a denúncia nem a pronúncia que encaminhou o réu a Júri.