O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) declarou, por maioria, a inconstitucionalidade de trechos de duas leis municipais de Lagoa Vermelha que previam o reembolso da taxa de inscrição em concursos públicos para candidatos que, embora inicialmente isentos por preencherem critérios de vulnerabilidade ou mérito social, viessem a ser aprovados e nomeados para cargos públicos.
A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que argumentou que a medida violaria princípios constitucionais como razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e a finalidade das políticas públicas de inclusão.
Segundo o relator da ação, Desembargador Ney Wiedemann Neto, a exigência de reembolso impõe uma distinção injustificável entre candidatos igualmente vulneráveis, penalizando justamente aqueles que obtêm sucesso no certame. “O argumento de que a restituição posterior não anula a isenção concedida não se sustenta, pois, na prática, a transforma em mera postergação do encargo, gerando efeito prático oposto ao pretendido pelas normas de inclusão. A aprovação no certame não suprime instantaneamente as dificuldades enfrentadas por desempregados, trabalhadores carentes ou pessoas com deficiência, e tampouco possui vínculo lógico com a doação de sangue ou medula, cuja realização é anterior ao concurso”, votou o magistrado.
Caso
A ADI questiona o artigo 5º da Lei nº 6.248/2009, que isenta do pagamento da taxa de inscrição candidatos desempregados, trabalhadores carentes e pessoas com deficiência, e o artigo 3º da Lei nº 7.567/2019, que estende o benefício a doadores de sangue e medula óssea. Para o MPRS, as normas violariam princípios constitucionais como razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e a finalidade das políticas públicas de inclusão.
Decisão do TJRS
Na avaliação do Desembargador relator, a medida contradiz os próprios objetivos das políticas públicas de inclusão. “Em outros termos, os dispositivos questionados condicionam a efetividade da isenção ao insucesso do candidato no concurso público. Caso o beneficiário venha a lograr êxito na seleção e, posteriormente, seja investido no cargo público, sobre ele recairá a obrigação de restituição do valor isentado, por meio de desconto em sua remuneração. Tal previsão, longe de configurar verdadeira política pública de inclusão ou de estímulo a condutas socialmente relevantes, esvazia, na prática, o conteúdo da medida afirmativa, tornando-a contraditória em seus próprios fins”, afirmou.
“A medida, assim como está redigida, gera um efeito contraditório: o incentivo criado pela isenção desaparece exatamente quando o candidato atinge o objetivo pretendido, ou seja, ser nomeado no cargo público. Em vez de premiar o mérito e o esforço, a lei acaba penalizando o sucesso, ao impor a devolução da taxa apenas aos aprovados”, observou o magistrado.
Além disso, acrescentou o Desembargador Ney, os dispositivos impugnados falham no teste da proporcionalidade.
“Não se mostram adequados, pois o reembolso desincentiva a participação dos beneficiários da política pública; tampouco são necessários, havendo meios alternativos menos gravosos para compensar eventuais renúncias fiscais; e, por fim, carecem de proporcionalidade em sentido estrito, pois o custo imposto aos candidatos aprovados supera em muito qualquer benefício arrecadatório ao erário”, citou.