
A Justiça Federal de Caxias do Sul concedeu, na última quarta-feira (5), uma liminar que suspende a cobrança das parcelas de financiamento dos moradores dos sobrados interditados no Residencial Jardim Vêneto, no bairro De Zorzi II. A decisão atende a um pedido da Associação dos Moradores, representada pelo advogado Luiz Gustavo Mello, e determina que a Caixa Econômica Federal (CEF) interrompa imediatamente a cobrança de todas as parcelas vencidas e por vencer dos contratos habitacionais enquanto durar a interdição.
Na prática, a medida impede que a Caixa siga cobrando ou negativando as famílias que perderam suas casas depois do colapso estrutural identificado em março deste ano. Desde então, dez sobrados do conjunto habitacional estão interditados pela Defesa Civil, três deles com laudo que determina a demolição total.

Entenda o caso
Os problemas começaram na madrugada de 25 de março, quando moradores foram despertados por rachaduras e estalos nas paredes. O Corpo de Bombeiros determinou a evacuação imediata, e a Defesa Civil interditou o local. Pouco depois, engenheiros da Secretaria Municipal de Obras confirmaram que parte das construções estava comprometida e recomendaram a demolição de três unidades.
As casas, financiadas pela Caixa Econômica Federal por meio do Programa Minha Casa Minha Vida, foram erguidas em área particular. Com base na legislação, a Prefeitura informou que não poderia realizar a demolição por conta própria, cabendo ao banco e às seguradoras a responsabilidade técnica e financeira pelo processo.
Enquanto aguardavam respostas, as famílias passaram a viver em acampamentos improvisados diante dos sobrados interditados. Um laudo técnico, elaborado por um escritório de engenharia contratado pela associação de moradores, apontou vícios construtivos graves, como falhas na fundação, concreto mal adensado e inadequação estrutural, tornando as edificações inabitáveis.

A decisão judicial
Na decisão, o juiz federal da 3ª Vara de Caxias do Sul reconhece que “não é razoável nem proporcional obrigar mutuários a pagar por um imóvel inabitável e condenado à demolição”, e destaca que a cobrança das parcelas “subverte os próprios fins da política pública de habitação popular”.
A liminar também ressalta que a suspensão dos pagamentos tem caráter cautelar e urgente, já que que alguns moradores já haviam sido notificados pela Caixa e até negativados por falta de pagamento. A justiça visa resguardar o direito à moradia e evitar danos irreversíveis até que a responsabilidade pelas falhas estruturais seja definida em ações posteriores.
O advogado da associação informou que também ações individuais para cada mutuário estão ajuizadas, com o objetivo de pleitear a restituição dos valores já pagos e indenizações por danos materiais e morais. As seguradoras seguem sendo alvos de recursos, após decisões iniciais desfavoráveis em primeira instância.
“A esperança é o que mantém a gente de pé”
Para os moradores, a liminar representa um primeiro alívio em meio a meses de angústia. Joel Netto, representante das famílias atingidas, descreve o sentimento de conquista, mas também de exaustão diante da demora nas demais etapas judiciais.
“A nossa situação era de angústia, pela demora e pela incerteza. Já se passaram sete meses e ainda não houve nenhuma ação concreta para a demolição. Essa liminar vem para dar um pouco mais de tranquilidade, porque muitos de nós estávamos sendo cobrados, com nome no Serasa, pagando aluguel e sem poder usar a própria casa”, relatou Joel.
Ele também expressa o peso emocional de perder o lar conquistado com anos de trabalho:
“A sensação de ter perdido a casa é muito ruim. A gente dorme e acorda pensando que tinha um lar ali, que lutou para conquistar, e agora está abandonado, interditado. Essa liminar traz um pouco de esperança, mas a luta continua.”
Próximos passos
Com a decisão judicial, a Caixa deve suspender imediatamente as cobranças. O processo principal, que buscará a responsabilização civil pelas falhas construtivas e os prejuízos sofridos pelos moradores, será apresentado nas próximas semanas. Paralelamente, os trâmites envolvendo a demolição dos sobrados condenados seguem em disputa judicial, já que o banco recorreu da decisão que o responsabilizava pela execução da medida.
Enquanto isso, as famílias do Jardim Vêneto seguem longe de suas casas, dividindo o tempo entre aluguel, processos e esperança. A liminar, dizem, é o primeiro sinal de que a Justiça começa a reconhecer a dimensão humana de um colapso que ultrapassa o concreto e atinge o que há de mais essencial: o direito de ter um lar.