O Juiz de Direito Ricardo Carneiro Duarte, da 2ª Vara Criminal de Novo Hamburgo, condenou o delegado Moacir Fermino Bernardo a pena de seis anos, dois meses e 17 dias de reclusão por montar uma farsa sobre os autores do homicídio e o esquartejamento de duas crianças, cujos restos mortais foram localizados em uma estrada no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, no dia 4 de setembro de 2017.
O cumprimento da pena pelos crimes de falsidade ideológica e corrupção ativa de testemunhas será no regime semiaberto. A sentença, com 53 páginas, cuja cópia foi recebida pelo Correio do Povo na manhã desta segunda-feira do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi proferida na última sexta-feira.
A investigação do delegado, agora aposentado, apontou que as crianças, cuja identificação permanece ignorada, foram mortas em um ritual de magia negra ocorrido em um templo na zona rural de Gravataí, realizado por um “bruxo” e seis cúmplices.
O delegado realizou uma entrevista coletiva à imprensa no dia 8 de janeiro de 2018 e apontou na ocasião sete pessoas como envolvidas, das quais cinco foram até presas. “O imputado deu detalhes do caso, referindo ser fruto das investigações e de revelação divina, tendo provas testemunhais e documentais dos fatos”, observou o magistrado Ricardo Carneiro Duarte. O inquérito apontava então que as crianças eram argentinas e foram sacrificadas pelo valor de R$ 25 mil em troca de prosperidade nos negócios de pai e filho que contrataram o “bruxo”.
Na coletiva à imprensa, o delegado Moacir Fermino Bernardo mostrou inclusive uma veste com uma capa e máscara de cachorro que teriam sido usadas na cerimônia macabra. No entanto, a Corregedoria Geral da Polícia Civil concluiu que o resultado do trabalho investigativo não passava de uma farsa, com depoimentos mentirosos sobre o suposto ritual satânico e incriminações de inocentes. Não houve nem sequer “vários meses de investigações” e “campanhas” citadas no inquérito do delegado.
O magistrado sentenciou ainda um informante do delegado Moacir Fermino Bernardo a quatro anos e 12 dias de reclusão, sendo cumprido no regime semiaberto. Esse indivíduo conseguiu três “testemunhas” do crime que aceitaram participar da farsa em troca de serem incluídas no programa estadual de testemunha, com casa, comida e remuneração financeira.
Conforme o juiz Ricardo Carneiro Duarte, o delegado e o informante “ofereceram ou prometeram dinheiro ou qualquer outra vantagem às testemunhas” do suposto ritual em que as crianças foram mortas com o objetivo de “obter prova destinada a produzir efeito em processo penal”.
Já o terceiro participante da farsa, um inspetor policial, foi absolvido pois não teria autonomia suficiente para falsificar sozinho os documentos que constavam nos autos do inquérito. Ele foi afastado da corporação em 2018.
Conforme o magistrado Ricardo Carneiro Duarte, o delegado teve “comprovada participação no ato de inserir ou fazer inserir informação falsa no relatório de serviço, pois foi o responsável por fornecer as declarações aos policiais que confeccionaram o documento, e por ter sido ele o delegado responsável na obtenção das informações, a quem caberia o discernimento para averiguar a veracidade das informações através de efetivas diligências”.
Todos os três réus tinham sido denunciados pelo Ministério Público. A denúncia foi recebida em 27 de março de 2018. “Os acusados foram citados, tendo os réus apresentado resposta à acusação por intermédio de defensores constituídos. Afastadas as hipóteses de absolvição sumária, procedeu-se à instrução, com a oitiva das testemunhas de acusação e defesa e interrogatório do delegado, do informante e do inspetor.
Em alegações finais, o Ministério Público requereu a procedência da ação penal, a fim de serem condenados”, observou o juiz Ricardo Carneiro Duarte. Para o magistrado, “as circunstâncias gerais e as consequências ocasionadas pelo delito praticado”, ocorridas durante o inquérito, “afetaram o curso da investigação de homicídio de duas crianças”.
Relembre o caso
Em 4 de setembro de 2017, duas crianças foram encontradas esquartejadas no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. As partes dos corpos haviam sido embaladas em sacolas plásticas e em caixas de papelão em um mato às margens de uma estrada.
Duas semanas depois, a Brigada Militar localizou outras partes dos corpos a 500 metros do local. Como as cabeças ainda não foram localizadas, não foi possível fazer a identificação das vítimas. A partir daí, foi levantada a possibilidade de que elas tenha sido esquartejadas em ritual satânico.
O líder da seita, o cliente e um parente dele acabaram sendo presos em um templo, localizado na cidade de Gravataí. Além de rituais, ele fazia palestras sobre o assunto. O religioso foi solto no decorrer das investigações, já que não foram encontradas provas da realização da cerimônia.
Futuro
Condenados às menores penas possíveis nos crimes apurados pela Justiça, o delegado e o informante ainda podem recorrer da decisão de primeiro grau. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), eles permanecerão em liberdade até o fim da tramitação do caso em segunda instância.
Fonte: Correio do Povo