HISTÓRIA

Documentos históricos de origem pública do período da escravidão são resgatados no Litoral Norte

Registros do século 19, relacionados à escravidão, foram encontrados em posse de colecionadores e estavam desaparecidos há mais de uma década

Arquivos históricos estavam com irmãos que trabalham no ramo de livros raros, conforme o Ministério Público. Eles são investigados por três crimes. (Fotos: Grégori Bertó/MPRS)
Arquivos históricos estavam com irmãos que trabalham no ramo de livros raros, conforme o Ministério Público. Eles são investigados por três crimes. (Fotos: Grégori Bertó/MPRS)

Documentos históricos do século 19 produzidos por órgãos do governo imperial no período da escravidão e supostamente furtados foram resgatados, nesta última sexta-feira (25), em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Os registros estavam em posse de dois irmãos, conhecidos por comercializar livros raros pela internet.

Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio Grande do (MPRS), os acusados exibiam os exemplares nas redes sociais. Pelo menos três crimes são apurados.

Os documentos da época da escravião teriam sido furtados de um do cartório de Rio Grande e outro do Museu de Arroio Grande, ambos municípios do Sul, em 2012, de acordo com o Gaeco. Há ainda outros dois documentos vendidos para compradores de Minas Gerais, cuja origem será investigada. A autenticidade dos documentos foi comprovada preliminarmente por técnicos do Arquivo Público do RS.

Durante a operação, também foram apreendidos três volumes adicionais de documentos públicos das décadas de 1860 e 1870 em um sebo localizado em Porto Alegre. Nestes exemplares haveria um registro de emancipação de escravizados e dois documentos relacionados às exportações do porto de Rio Grande no mesmo período.

De acordo com o MPRS estes documentos são registros públicos, fundamentais para a pesquisa genealógica, estudos históricos e pra a preservação da memória coletiva do país.

Investigação

No dia 14 de abril deste ano, os dois irmãos investigados, que atuam no ramo de livros raros, inclusive com vendas e divulgação destes materiais nas redes, em site e em canal do YouTube, postaram no Instagram que estavam com dois documentos históricos – resgatados de um incêndio em cartório.

O conteúdo revelava registros do regime escravocrata na época em que a cidade de Rio Grande era uma província. A publicação chamou a atenção da equipe técnica do Arquivo Público do RS, que identificou os documentos como de provável origem pública.

A Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado foi acionada, e a 1ª Promotoria Cível de Rio Grande, deu início à apuração. A partir da confirmação de indícios de veracidade e da possibilidade de comercialização dos documentos, foi solicitado apoio do Gaeco, que obteve dois mandados de busca e apreensão para os endereços dos irmãos, em Capão da Canoa. Um dos investigados chegou a oferecer os documentos por R$ 10 mil.

Documentos

São dois documentos de origem pública produzidos por órgãos do governo imperial em Rio Grande, na época em que ainda era uma província. Os registros seriam do século 19, com fatos datados entre os anos de 1857 e 1859.

Um deles detalha óbitos de escravizados, e o outro, penas e castigos para punir o que o sistema da época entendia como crimes cometidos por estas pessoas escravizadas citadas.

No sebo da Capital, houve o resgate de um documento de registro de emancipação de escravizados e dois de registros de exportações do porto de Rio Grande, da mesma época.

O documento o descreve como “escravo de José Luis da Silva”, menciona sua cor e sua ocupação como charqueador, além de indicar que era solteiro e não sabia ler nem escrever.

Posse de documentos públicos é crime?

Conforme a Lei Federal 8.159/91 é dever do Poder Público zelar pela guarda de documentos públicos. Segundo o MPRS, há outros crimes investigados no caso: distribuição ou ocultação de documentos, danos a bens protegidos e violação da Lei de Arquivos Públicos.

A manipulação inadequada dos documentos — feita sem o uso de luvas, por exemplo — foi um dos fatores que aceleraram a operação, já que o contato direto com a pele pode causar danos irreversíveis ao papel histórico. Também preocupa a ausência de informações sobre o armazenamento, o que pode comprometer ainda mais a conservação dos registros.

Os crimes em apuração incluem:

  • Artigo 305 do Código Penal: destruição, supressão ou ocultação de documentos públicos;
  • Artigo 62 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998): destruição ou deterioração de bens protegidos por lei;
  • Violação à Lei 8.159/1991, que estabelece a política nacional de arquivos públicos e privados.

A investigação continuará para identificar como os documentos foram retirados de instituições públicas e se houve outros crimes associados ao caso.

Próximas etapas

A primeira medida foi o resgate dos documentos sobre escravos, por meio de mandado judicial de busca e apreensão, e a segunda será o encaminhamento ao Arquivo Público do Estado para confirmar a origem pública e também o estado de conservação dos materiais. Eles necessitam de avaliação adequada que determine as medidas necessárias para conservação e restauração.

Outras ações são garantir a integridade e a ampla divulgação dos documentos, possibilitando que continuem servindo como fonte de conhecimento histórico. Até porque é dever do Poder Público zelar pela guarda de documentos deste tipo, conforme a Lei Federal 8.159/1991. Cabe também ao Gaeco verificar como os investigados obtiveram os documentos, por exemplo, se houve furto, desvio, entre outros.