Imagine abrir a janela de casa e dar de cara com uma capivara passeando tranquilamente pela calçada. A cena, que há alguns anos pareceria improvável nas cidades brasileiras, vem se tornando cada vez mais comum. Esses simpáticos roedores, nativos das Américas e adaptáveis ao convívio com a água e o verde, estão ocupando espaços urbanos de maneira silenciosa — e, em alguns casos, preocupante.
Capivaras em áreas urbanas: uma convivência que exige atenção
Ver uma capivara em um parque ou às margens de um córrego da cidade pode parecer inofensivo, até poético. Mas a crescente presença desses animais em regiões densamente povoadas acende alertas que vão além da surpresa inicial. Saúde pública, segurança no trânsito e equilíbrio ecológico são apenas alguns dos pontos que colocam o tema em pauta.
Apesar da aparência dócil e comportamento pacato, a capivara carrega um conjunto de riscos que precisa ser entendido — especialmente porque o avanço delas nos centros urbanos não é aleatório, mas consequência direta das ações humanas sobre o meio ambiente.
Transmissão de doenças: o principal risco à saúde pública
O motivo mais sério para a preocupação com capivaras em ambientes urbanos é o papel que elas desempenham na cadeia de transmissão de doenças, sobretudo a febre maculosa. Essa enfermidade, causada por uma bactéria transmitida pelo carrapato-estrela (Amblyomma sculptum), encontra nas capivaras seu principal hospedeiro.
As capivaras, por circularem livremente em matas ciliares e margens de rios, costumam carregar colônias desses carrapatos em seu corpo. Quando esses animais passam a circular em parques, condomínios ou margens de avenidas com vegetação, os carrapatos se espalham — e podem picar seres humanos.
A febre maculosa, quando não diagnosticada precocemente, pode ser letal. E como seus sintomas são parecidos com os de outras infecções (febre, dor de cabeça, mal-estar), muitas vezes o tratamento é iniciado tarde demais. Por isso, a simples presença de capivaras em regiões habitadas deve ser acompanhada por ações de monitoramento e controle ambiental.
Acidentes e atropelamentos: um risco pouco falado, mas crescente
Outro problema que vem preocupando moradores e gestores públicos é o risco de acidentes causados por capivaras em vias urbanas. Em horários de menor movimento, como o fim da tarde ou a madrugada, esses animais costumam se locomover em grupos — e atravessar avenidas, rodovias e ruas com pouca visibilidade.
Como podem pesar até 80 kg, um atropelamento não é apenas fatal para o animal, mas pode causar danos sérios aos veículos e aos ocupantes. Em alguns casos, o susto ou a tentativa de desvio repentino já foi responsável por capotamentos ou batidas com consequências graves.
Esse tipo de ocorrência é especialmente comum em cidades cortadas por rios, represas ou parques lineares, onde o habitat natural das capivaras se mistura com as áreas de tráfego intenso.
A urbanização desordenada e o sumiço do habitat natural
O aumento do número de capivaras nas cidades não é fruto de um “interesse” repentino dos animais pela vida urbana. Na verdade, é o reflexo do avanço da urbanização sobre áreas naturais que antes lhes pertenciam.
À medida que loteamentos, condomínios e avenidas tomam o lugar de matas, brejos e margens de rios, os animais silvestres ficam sem alternativas. As capivaras, por serem extremamente adaptáveis, migram para os bolsões de vegetação que restam — mesmo que cercados por asfalto e concreto.
Além disso, a oferta constante de alimento (grama, lixo orgânico, restos de frutas) e a ausência de predadores naturais nos centros urbanos criam um ambiente propício para que a população de capivaras cresça sem controle.
O desequilíbrio ecológico e seus desdobramentos
Outro ponto importante é o impacto que a superpopulação de capivaras pode causar nos ecossistemas urbanos. Elas são animais que pastam intensamente, o que pode levar à degradação de gramados, margens de lagos e vegetação de parques. Quando o número de indivíduos ultrapassa a capacidade de suporte do ambiente, os danos começam a ser visíveis: solo exposto, erosão e competição com outras espécies.
Além disso, capivaras podem servir de atrativo para outros animais — como serpentes ou felinos silvestres — que podem seguir o rastro em busca de alimento. Essa cadeia de desequilíbrio afeta não só a fauna local, mas também a segurança de quem vive ou frequenta essas áreas.
Como lidar com a presença das capivaras?
O primeiro passo é reconhecer que elas fazem parte do ecossistema e que não devem ser tratadas como vilãs. As ações precisam ser guiadas por políticas públicas que aliem manejo ambiental, educação e saúde.
Entre as medidas eficazes estão:
- Campanhas de conscientização sobre febre maculosa e formas de prevenção;
- Manutenção adequada da vegetação urbana, evitando mato alto e acúmulo de lixo;
- Instalação de cercas vivas ou barreiras físicas para impedir o acesso a áreas críticas;
- Monitoramento da população de capivaras, com controle reprodutivo e, em alguns casos, realocação supervisionada.
A presença das capivaras nas cidades é um sinal claro de que a fronteira entre o urbano e o natural está cada vez mais difusa. Entender as causas desse fenômeno e agir de forma preventiva e consciente é o caminho para evitar tragédias silenciosas e garantir uma convivência equilibrada com a fauna que nos cerca — mesmo em meio ao concreto.