Já ouviu alguém dizer “isso aqui virou a casa da mãe Joana”? É quase certo que sim. A expressão continua viva no vocabulário popular para descrever lugares sem ordem, onde cada um faz o que quer. Mas o que poucos sabem é que a origem desse ditado é surpreendente, e mistura história medieval, contexto político e até uma rainha poderosa.
A origem da expressão “casa da mãe Joana”
Ao contrário do que muita gente imagina, a “mãe Joana” não era uma dona de pensão relaxada nem uma figura fictícia. A expressão surgiu na Europa do século XIV e está ligada a Joana I de Nápoles, uma mulher que desafiou as convenções de seu tempo. Ela assumiu o trono de Nápoles em 1343, em uma época em que mulheres no poder eram vistas com desconfiança — e, muitas vezes, perseguidas.
Durante seu reinado, Joana enfrentou disputas políticas, guerras e escândalos. Em um dos episódios mais controversos, ela teria concedido permissão legal para o funcionamento de prostíbulos em Avignon, cidade então sob domínio papal, permitindo que essas casas fossem administradas com relativa liberdade. Daí surgiu a ideia de que “na casa da mãe Joana, cada um faz o que quer”.
Como essa ideia chegou ao Brasil?
A expressão foi trazida para o português por influência dos colonizadores portugueses, que por sua vez beberam da tradição francesa. Com o tempo, a “casa da mãe Joana” passou a simbolizar qualquer lugar onde falta autoridade, regras ou organização — seja uma sala de aula barulhenta, um escritório sem gestão ou até a própria política.
No Brasil, o ditado ganhou força justamente por se encaixar perfeitamente em situações cotidianas que envolvem desorganização, bagunça ou permissividade exagerada.
Da corte à cozinha: como o ditado virou crítica cotidiana
É curioso notar como expressões de séculos atrás continuam vivas, mesmo com o passar do tempo. A “casa da mãe Joana” sobrevive porque diz muito mais do que parece. Ela não descreve só um espaço desorganizado, mas carrega um tom de crítica à ausência de comando. Quando um chefe abandona responsabilidades, um governo perde controle ou até mesmo quando uma família relaxa demais nas regras da casa — o bordão surge como síntese perfeita da situação.
E se a gente pensar bem, a expressão também revela uma preocupação quase inconsciente com o excesso de liberdade: quando ninguém manda, tudo vira caos.
Quem foi, afinal, a tal mãe Joana?
Apesar de muita gente imaginar que “mãe Joana” seria uma figura folclórica brasileira, ela é baseada em uma personagem histórica real: Joana de Anjou. Coroada aos 16 anos, ela enfrentou julgamentos por assassinato, casou-se várias vezes e usou o poder de forma ousada para uma mulher de sua época.
Seus críticos a acusavam de promiscuidade e descontrole, numa clara tentativa de deslegitimar sua autoridade. Com o tempo, essas acusações foram se distorcendo até dar origem à associação com casas de prostituição — daí o uso pejorativo que a expressão ganhou.
Ou seja, a “casa da mãe Joana” é, no fundo, mais um exemplo de como o machismo histórico moldou o nosso vocabulário.
A expressão na política e nas redes sociais
Hoje, basta um escândalo político ou uma sessão do Congresso recheada de bate-boca para que a “casa da mãe Joana” volte aos trending topics. A frase se tornou um diagnóstico fácil para situações que escapam ao controle — e, talvez por isso, seja tão usada nas redes sociais. Internautas recorrem a ela para criticar desde filas mal organizadas até decisões governamentais.
Ela serve como desabafo, ironia e julgamento ao mesmo tempo. É um desses raros bordões que, em poucas palavras, traduzem perfeitamente o sentimento de quem está observando o caos de fora.
Ainda faz sentido usar essa expressão?
Apesar de ser amplamente usada até hoje, algumas pessoas já questionam o uso de expressões com conotações machistas ou misóginas. Afinal, mesmo que a origem envolva uma rainha real, o modo como sua figura foi tratada ao longo da história reflete preconceitos que ainda precisamos superar.
No entanto, é justamente conhecendo a origem da “casa da mãe Joana” que conseguimos dar novos sentidos a ela — talvez mais conscientes, mais respeitosos e, quem sabe, mais críticos.
A próxima vez que você ouvir — ou usar — esse famoso bordão, vai lembrar que por trás dele há muito mais do que um puxão de orelha contra a bagunça. Há uma mulher real, uma história distorcida e um espelho da nossa própria maneira de encarar o caos.