Cidades

Frigorífico da Serra Gaúcha é condenado a pagar R$ 30 mil para funcionária que sofreu ofensas raciais

Ela teria sido chamada de "negra fedida" por uma colega de trabalho em Nova Araçá. Juiz de Bento Gonçalves, em decisão, justificou que a empresa, ao tratar a ofensa como um problema de menor relevância, continuou alimentando o racismo estrutural que transpassa a sociedade

Frigorífico de Nova Araçá terá que pagar R$ 30 mil para funcionária que sofreu ofensas raciais
Foto: Divulgação/Agroaraçá Alimentos

Uma auxiliar de produção que trabalhava em um frigorífico em Nova Araçá-RS receberá uma indenização de R$ 30 mil por danos morais após ser vítima de racismo no ambiente de trabalho. A decisão, tomada pela 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), confirmou a sentença do juiz Silvionei do Carmo, da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves.

O fato teria ocorrido enquanto a funcionária estava na fila para receber Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Segundo uma testemunha ouvida pela Justiça do Trabalho, uma colega a chamou de “negra fedida” durante uma discussão. O técnico em segurança responsável pela distribuição dos EPIs presenciou a cena, mas não interveio. A testemunha relatou que a agressora também proferiu ameaças de morte e afirmou que não gostava de pessoas “daquela raça”, insinuando que a vítima não deveria estar ali.

Apesar da gravidade do episódio, a direção do frigorífico, ao ser informada do ocorrido, optou por punir ambas as envolvidas com suspensão, sem tomar medidas efetivas para lidar com a discriminação. Quando a vítima manifestou a intenção de registrar um boletim de ocorrência, foi desencorajada por um superior, que, segundo relatos, tentou “abafar a situação” e pressionou a testemunha a não depor a favor da vítima.

Em sua defesa, a Agroaraçá Indústria de Alimentos Ltda. alegou que a suspensão foi aplicada a ambas as funcionárias para evitar novos conflitos e que o incidente não refletia os valores da empresa. 

Nota da empresa

A Agroaraçá Indústria de Alimentos Ltda. vem manifestar-se sobre a condenação em processo que tratou de indenização por danos morais de auxiliar de produção que teria sofrido ofensas raciais de uma colega de trabalho.

A empresa reafirma seu compromisso na defesa dos direitos fundamentais e no combate a todas as formas de preconceito, discriminação e intolerância. É fundamental que episódios como esse sejam tratados com a máxima seriedade.

Contudo, é de salientar que o fato envolveu discussão entre duas empregadas com o mesmo nível hierárquico, sem a presença de quaisquer dos seus prepostos, tendo havido injúrias recíprocas.

O incidente não representa os valores institucionais da Agroaraçá Indústria de Alimentos Ltda. Por isso, a aplicação de penalidade a ambas as empregadas nada teve a haver com o incidente específico, mas, sim, com a conduta adotada por elas frente a situações posteriores.

Por fim, cabe registrar que a referida decisão não transitou em julgado, tendo sido objeto de recurso.

Nova Araçá/RS, 20 de agosto de 2024

Para o juiz Silvionei, ao tratar a ofensa racial como um problema de menor relevância, a empresa continua alimentando o racismo estrutural que transpassa a sociedade. Ele avalia que não se combate o racismo estrutural com atitudes que buscam minimizar ou mesmo tolerar atos racistas, mas com uma postura firme e intolerante com condutas que discriminam as pessoas em face da raça ou cor da pele.

“A conduta da empresa não se mostrou justa e razoável frente ao episódio de racismo, comprovando, ao revés, que a empresa procurou apenas se resguardar frente a eventuais reclamações judiciais. Ao punir a vítima de uma ofensa racial da mesma forma que a ofensora, a reclamada acabou agravando o sofrimento e humilhação da reclamante, o que reforça a procedência do pedido”, afirmou o magistrado.

A empresa recorreu ao TRT-RS, mas a indenização foi mantida. A autora também buscou o aumento do valor indenizatório, sem obter êxito.

Relator do acórdão, o desembargador Wilson Carvalho Dias enfatizou que o empregador tem o dever de preservar um ambiente de trabalho livre de qualquer violência à honra, à imagem e à intimidade dos empregados e, ainda que não adote ou compactue com a conduta, responde pelos atos dos empregados. Ele considerou demonstrada a prática preconceituosa e ofensiva à dignidade da trabalhadora, tipificada pela legislação penal como crime de racismo, de natureza inafiançável e imprescritível.

“A sociedade contemporânea, regida pelo respeito à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, não deve tolerar qualquer tipo de discriminação, constituindo a discriminação racial expressão pura do racismo estrutural sob o qual se fundamentam as relações sociais e trabalhistas no Brasil e por meio do qual se busca aniquilar a subjetividade do trabalhador negro”, ressaltou o desembargador.

Também participaram do julgamento os desembargadores Emílio Papaléo Zinn e Denise Pacheco. Cabe recurso da decisão.