
Você pensa ser incomum que alguém confesse um crime que não praticou?
Pois a história reporta alguns exemplos – concedo que não a maioria – de gente que confessou, seja por medo, seja para se livrar da pressão sofrida, quando acaba subscrevendo uma versão que não foi pela pessoa mesmo contada, mas uma versão para ele contada, embora isso já não seja mais tão comum. Aliás, no processo penal brasileiro, o mais comum é o réu confessar o que fez e, depois, sob orientação profissional, atribuir às autoridades vício na condução da investigação, situação que poderia ser evitada ou mitigada, se o Estado utilizasse a tecnologia de gravar em áudio e vídeo, em meio magnético, o interrogatório de indiciados.
A confissão, por si só, quando não amparada pelo restante do conjunto probatório, não é suficiente para autorizar ou garantir um juízo condenatório no Brasil. Mas não é raro uma confissão induzida.
Nos Estados Unidos, aliás, isso foi bem comum, ao longo da História, a dar ensejo a erros judiciários crassos. Um desses casos emblemáticos ocorreu quando George Whitmore Júnior, negro, confessou falsamente à autoridade policial, em 1964, três assassinatos. George – que havia abandonado a 8ª série -, efetivamente, se afirmou autor de três homicídios que não havia cometido, fato que o levou à prisão e, quase, à punição com pena de morte no Estado de Nova Iorque naquele ano.
Como aquilo chegou a acontecer?
O Senhor Whitmore tinha 19 anos à época, abril de 1964, quando foi apanhado numa rua do Bairro do Brooklyn, em NY, – de população predominantemente negra e afamado por ser, à época, de intensa criminalidade -, por ele estar questionando a respeito de uma tentativa de estupro ocorrida na vizinhança na noite anterior.
Em princípio, George pensou que estava apenas sendo chamado a colaborar com as autoridades policiais na investigação. Chegou a ser entrevistado pela imprensa. Porém, quando o seu interrogatório chegou ao final, alguns dias após, George confessou não apenas a tentativa de estupro pela qual indagou pelo bairro, mas, também, confessou outro estupro e assassinato, qual seja, de Minnie Edmonds, ocorrido algumas semanas antes.
Mais: George acabou confessando, ainda, o estupro e o assassinato de duas jovens mulheres – Janice Wylie, de 21 anos, e Emily Hoffert, de 23 anos, a primeira, pesquisadora de uma revista americana; e, a segunda, uma professora de ensino fundamental -, fatos ocorridos em Manhattan, em agosto de 1963, cujos corpos foram encontrados esfaqueados no interior do apartamento que elas dividiam na a Rua “East 88”. O caso vinha sendo investigado havia 8 meses e ficou conhecido como “O Assassinato de Garotas de Carreiras.
Adiante, George Whitmore Júnior se retratou e negou todas as confissões, afirmando ter tido espancado pela Polícia, e que que havia assinado papeis que nem sabia o que eram e do que se tratavam (o que muitas vezes vi e ouvi como mera estratégia defensiva, mentira que eu facilmente conseguia desconstituir, mas, no caso de Whitmore, era verdade).
Também, George Whitmore Júnior alegou que, no caso das amigas Wylie e Hoffert, ele tinha álibis, pois dúzias de pessoas poderiam provar que ele estava em outro local, pessoas que lembrariam de tê-lo visto no dia dos crimes, pois era o dia da “Marcha dos Direitos Civis”, em Washington – ocasião em que Martin Luther King dera o famoso discurso denominado “Eu tenho um Sonho” – e ele, George e todo mundo assistiram aquilo na TV e falaram do acontecimento o dia todo no bairro.
Depois de Whitmore ter passado por mais de um julgamento confirmando sua condenação pelos crimes confessados, em 1965, Promotores de Justiça, om nova tecnologias, obtiveram evidências de que estavam acusando indevidamente George Whitmore Júnior, pois conseguiram ligar os estupros e os assassinatos de Wylie e Hoffert, pelo DNA, a Richard Robles, que havia recém sido posto em liberdade e que depois foi condenado pelos crimes.
Vale registrar que uma testemunha reconheceu Whitmore, negro, como autor dos crimes contra Wylie e Hoffert, quanto o verdadeiro criminoso, por perícia comprovado, a Richard Robles, era branco. Ela estava interessada numa recompensa por informações que pudessem conduzir à elucidação dos crimes.
Mesmo com aquela Confissão Mandrak, Whitmore foi submetido aos julgamentos pela tentativa de estupro no Brooklyn, e pelo estupro e assassinato da Senhora Minnie Edmonds com base unicamente no ato mesmo ato de confissão comprovadamente viciado.
Só em 1973 as acusações foram todas retiradas. George Whitmore Júnior acabou morrendo, aos 68 anos, numa espécie de casa de cuidados de enfermagem, de um ataque cardíaco. Segundo sua irmã Regina Whitmore, ele nunca superou a injustiça sofrida. Alguém haveria de sentir diferente?