Amor de Mãe

Leram o título e pensaram que eu iria falar de uma novela?

Não. Não vou. Vou falar da vida real!

Quando a imprensa noticiou a morte do menino Henry Borel, de apenas quatro anos de idade, dentro de sua própria casa, no Rio de Janeiro, eu escrevi sobre o episódio, mas o que eu escrevi, na ocasião, não chegou a ser publicado. Não deu tempo.

E tudo que escrevi era para dizer que, na minha opinião pessoal e profissional, aquela história estava muito mal contada, ao menos pelos elementos divulgados pela imprensa de todo o país até então: que, na madrugada do dia 08 de março último, por volta das 03h30min, depois de o menino ser entregue à mãe, pelo pai, à tardinha do dia anterior (07), Henry deu entrada em um hospital da Barra da Tijuca já sem vida.

Henry Borel era uma criança alegre, saudável, filho do Engenheiro Leniel Borel de Almeida e de Monique Medeiros, então separados. Na atualidade, a criança morava com a mãe e o padrasto, Jairo Sousa Santos, o “Jairinho”, médico (que nunca exerceu a profissão), também vereador no Rio de Janeiro. Monique teria começado a namorar o vereador em outubro de 2020 e, em seguida, em janeiro deste ano, teriam ido morar juntos em um belo apartamento com Henry. Além do novo “status”, Monique foi contratada para um cargo público com apoio do vereador.

Tudo transcorria normal, exceto que o menino não parecia feliz na nova composição familiar. Quando eram os finais de semana de ficar com o pai, demonstrava não querer retornar para o lar materno. Isso veio demonstrado por uma troca de mensagens, via whatsapp, entre o pai e a mãe de Henry, no próprio dia 07 de março, quando Monique disse a Leniel: “Eu só não aguento o choro para não vir.” Leniel não parecia o tipo de sujeito que promovia alienação parental.

Mas não foi só: o pai, desesperado, quis saber como seu filho, sadio e alegre, de uma hora para outra, sem causa aparente, apareceu morto. Insistiu na necropsia do filho, cujo laudo – que eu confesso, não vi, só ouvi falar -, diz que Henry sofreu lesões graves por todo o corpo, com infiltrações hemorrágicas (edemas) na parte frontal, lateral e posterior do crânio, além de contusões nos rins, no pulmão e no fígado. Aliás, a causa da morte apontada foi hemorragia interna justamente decorrente do rompimento desse último órgão.

Ouvidos pela Polícia Civil, mãe e padrasto negaram qualquer agressão à criança. A genitora aventou a possibilidade de o menino tê-las sofrido (as lesões) por cair da cama em que dormia. Já o padrasto disse ter tomado remédio para dormir e ter acordado com o menino já morto.

Sem ler nada oficial, embora não seja médica, muito menos legista, minha experiência profissional permite concluir que ninguém caia da cama e sofra lesões graves como aquelas, sendo um menino da compleição física de Henry. Não em queda livre. Era muito improvável que uma simples queda da cama produzisse naquele menino lesões contundentes daquela natureza. Pensei: não é possível que tenham alterado a Lei da Gravidade de Isaac Newton e a força de atração proporcional das massas sem eu me atualizar da alteração. Aprendi sobre isso em Física, no ensino médio.

E vejam que eu não estava só naquele pensamento. Peritos ouvidos, no plano teórico, sobre a necropsia, disseram, também, ser improvável que as lesões, como descritas, tivessem sido produzidas por uma queda livre da cama, entrevendo até que foram produzidas em momentos diferentes (lembrei, de plano, do caso Isabella Nardoni).

Outras coisas estranhas norteavam a morte de Henry. Por exemplo, o padrasto é médico. O que explicava que ele não tivesse tentado a reanimação do menino? A resposta não foi menos estranha: Jairinho disse não o fez por não domina o procedimento, porque só o teria feito em um boneco no curso da Faculdade de Medicina. Também, a cena no evento já havia sido limpa quando chegou o pessoal da perícia. E, ainda, o casal se mudou do local.

Enquanto minha coluna aguardava do “prelo”, a investigação andou. A Perícia oficial avançou e disse que a Lei de Newton não havia sido revogada. Procederam à reprodução simulada do fato, com um boneco do peso e do tamanho do Henry, e verificaram exatamente aquilo que, no plano teórico, outros peritos já haviam antecipado: Henry não morreu de queda livre da cama: foi morto. Como? Só quem estava lá naquele apartamento para saber.

Nenhum suspeito está obrigado a participar da reconstituição ou reprodução simulada do fato; pode invocar a 5.ª Emenda (uma alusão ao direito norte-americano, equivalente ao direito de os acusados em geral não produzirem provas contra si próprios, também previsto em nosso ordenamento jurídico; é o direito de não se autoincriminar). No caso, Monique e Jairinho alegaram estar sofrendo, traumatizados. Não acreditei.

Mas a investigação identificou que o padrasto usou de sua influência para tentar, sem êxito, que o corpo de Henry não fosse periciado no IML. Uma “ajudinha para que tudo fosse encerrado por ali”. Por quê? A mãe ensinou que onde há fumaça, há fogo!

Para além disso, troca de mensagens entre a mãe de Henry e sua empregada deram conta, de forma inequívoca, que ela, Monique, a quem a legislação brasileira impõe deveres de cuidado (garante) sabia que o filho vinha sofrendo agressões graves (sem examinar o Inquérito Policial, não posso dizer que se tratava de torturas, tampouco descarta-las). Ao revés, fotos e conversas em outro celular apreendido mostraram que, enquanto ela ouvia da empregada sobre as surras que Henry sofria de Jairinho, mostrava-se insensível aos acontecimentos e estava mesmo preocupada com que “modelito” que iria usar, com conversas com amigas, inclusive depois da morte o filho, quando iria à Delegacia de Polícia depor.

De dizer que tanto faz, segundo a legislação brasileira, se Jairinho e Munique mataram, juntos, Henry, ou se Jairinho matou o menino e a mãe se omitiu, pois sua posição legal de garante a torna igualmente homicida, se assim concluída a investigação.

E é justamente aí que eu queria chegar, porque, em meio a esse raciocínio, tive minha atenção chamada por uma postagem do meu Colega, hoje, também de Advocacia, Marcos Adede y Castro, em rede social. O post foi por ele intitulado “Desamor de Mãe”.

O enfoque empregado foi muito interessante, pois suscita que convivemos com estereótipos, inclusive no que concerne ao amor de mãe, porque, desde sempre, ouvimos falar, lemos, escrevemos, ouvimos e comentamos sobre a natureza da mulher como mãe como amorosa, atenciosa, interessada, com instinto materno acolhedor, e uma defensora incondicional do filho. Ela é a Rainha do Lar.

Como ele, eu também acredito nisso, mas, como o Colega, penso que mães não são necessariamente sempre boas pelo simples fato de serem mães, mas por serem boas, quando são e na medida em que são.

Em verdade, há mães muito más. Vejam o caso ocorrido no Município de Planalto-RS (como outros tantos antes e depois dele, nem sempre explorados pela mídia, porque não vendem impacto), no ano passado, quando a mãe Alexandra DougoKenski matou seu filho Rafael Mateus Winques, de 11 anos de idade, por estrangulamento, escondendo o corpo do menino na casa de um vizinho, para onde o arrastou e, depois, foi à Polícia comunicar o seu desaparecimento, numa frieza atroz.

Há mães más, sim; mães que se omitem até diante da morte anunciada do filho, quando não com ela compactuam ou quando elas mesmas não lhes dão causa e, nesses casos, tal qual disse o colega Marcos, eu também só posso orar para que o Criador proteja as crianças do desamor de mãe, pois ele pode ser um veneno, sem não for o arquétipo em que queremos acreditar.