Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Em tenho um hábito que pode até ser normal: compro livros que acabo lendo mundo tempo de pois. Ocorre o mesmo com os que eu ganho (e eu ganho sempre e muitos, e “nem imagino por quê “).

Foi numa dessas que adquiri “A Sangue Frio” (“In Cold Blood”), a história “romanceada” (se é que se pode usar, no caso, essa expressão), por Truman Capote, de um quádruplo assassinato ocorrido na pequena localidade de Holcomb, no Estado do Kansas-Estados Unidos da América.

Agora li. O casso é arrepiante. Os crimes ocorreram no dia 15 de novembro de 1959, quando quatro membros de uma mesma família foram brutalmente mortos no interior de sua residência. Eram Herb Clutter (o pai, um próspero fazendeiro, à época, com 48 anos de idade); Bonnie Clutter, sua esposa, com 45 anos, e os dois filhos adolescentes do casal, Kenyon e Nancy.

Por ocasião do brutal episódio, os quatro foram, primeiro, amarrados e amordaçados (Herb também teve a garganta cortada); depois, foram alvejados a tiros de espingarda.

Numa localidade de apenas 270 habitantes, imaginem o tanto que aqueles assassinatos abalaram aquela pacata cidadezinha do interior, tanto o mais porque a família era religiosa (Metodista), muito querida por todos, não tinha inimigos, nem dívidas, nem motivos outros que justificassem tamanha brutalidade.

Além disso, do local, foram levados apenas um rádio, um par de binóculos e 40 dólares tirados da carteira de Herb. Joias foram abandonadas. Quem eliminou toda a família cortou, ainda, o acesso à linha do telefone e, especialmente, um rastro de bota com sangue das vítimas na fuga, tudo muito insipiente para dar suporte à investigação para os parâmetros da época.

O medo se instaurou em Holcomb. Talvez aqui me tenha ficado mais claro o que é possível entender como o significado real de “abalo da ordem pública”, e não é nada parecido com aquilo que a jurisdição usa quando quer prender e quando quer soltar alguém (argumento poroso, fundamento genérico que se amolda à qualquer situação, não raro, soltando culpados, mas, também, mantendo pessoas presas indevidamente).

É um pavor generalizado, um abatimento, um descrédito de todos contra todos, que vem descrito minuciosamente no livro, assim como a reação dos moradores da cidade. O autor também monstra como a investigação policial, meses depois dos crimes, acaba por identificar quem perpetrou tamanha barbárie, por que, prende, como se desenrola a condenação e a pena aplicada. Não vou dar mais “spoiler” chacina.

Terminada a leitura, pensei: “quantas dessas chacinas ocorrem no mundo todos os dias por banalidades… Como podem fazer isso sem dó ou piedade? Como conseguem dormir e ter paz?

Então lembrei de uma passagem que li outro dia – já não lembro onde -, que diz que uma trágica história pode não ter a mesma emoção de um final feliz, mas deve ser contada, não pelo mero exercício da escrita, mas para justamente atormentar seus leitores, a fim de que as pessoas vejam as várias faces de um mesmo ser. E mais que isso. É vital para lembrarmos que o homem, esse animal racional, é o mais perigoso dentre todos os existentes”.

Isso não nos impede de fazer similar raciocínio irracional daqueles que exercem poder estatal. Outro dia, contei aqui a história real de Richard Phillips, de quem a Justiça suprimiu 46 anos de vida, mantendo-o indevidamente atrás das grades. Não é fácil ter a responsabilidade sobre isso cujo dinheiro não torna indene. Nada paga!