Opinião

Exibição de imagem de preso: pode ou não pode?

Confira o artigo semanal da Dra. Silvia Regina Becker Pinto

Exibição de imagem de preso: pode ou não pode?

O artigo 13 da nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei n.º 13.869/2013) ainda vem acarretando muita polêmica. Ele define como crime constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, dentre outras condutas, a de exibi-lo ou ter seu corpo, ainda que parcialmente, exibido à curiosidade pública, ou mesmo submetê-lo à situação vexatória ou de constrangimento não autorizado em lei.

Essa proposição não constava da proposta inicial de reformulação na Lei de Abuso de Autoridade. Alguns dizem que se trata de um “jabuti”, ou seja, daquelas disposições incluídas no texto legal de ora para outra, com objetivo nada republicano. Por exemplo, impedir a divulgação de imagens de autoridades públicas sendo presas.

Datena, não é mais para colocar “a cara do vagabundo na tela”?

Numa primeira leitura, poderíamos pensar que exibir, com violência ou grave ameaça, autoridade alguma, ao menos em sã consciência, vai proceder. Contudo, por estar privado de liberdade, é certo que todo o preso ou o detido estará, via de regra, com a capacidade de resistência reduzida. Logo, em princípio, sua exibição ou exposição, por parte das autoridades, nomeadamente, por autoridades policiais, deverá ser considerada constrangimento e, por conseguinte, caracterizará o crime de abuso de autoridade.

Mas não é isso. De plano, é preciso registrar, em letras garrafais, que os tipos penais da nova Lei de Abuso de Autoridade exigem o que se chama de “dolo específico”, é dizer, exige-se que o agente pratique a ação com a exata finalidade de “constranger” o preso, para beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, que o faça por mero capricho ou satisfação pessoal (vaidade). Sem isso, não há crime nem mesmo em tese.

Depois, à evidência, o legislador não impõe às Polícias, por exemplo, obstar, controlar ou contornar a atuação da imprensa que é e segue sendo livre, como imprescindível ao Estado de Direito. Em contrapartida, como decorrência dessa liberdade, ela é responsável pelo que divulgar e pelo dano que causar, especialmente quando seu agir desbordar do direito de informação.

Portanto, se, na cena da prisão, a imprensa se fizer presente e divulgar a imagem do preso/detento, não haverá crime, assim como não haverá abuso de autoridade, exemplificativamente, se, nas áreas de circulação, nas Delegacias e nos Fóruns, o preso/detento for fotografado.

Por outro lado, ainda a título de exemplo, se o agente policial, percebendo a presença da imprensa, der uma paradinha para a fotografia, “cutucando” o preso/detento para que olhe para a câmera, o crime restará configurado.

À altura, vocês podem estar se perguntando: mas isso é bom ou ruim?

Primeiro, repare que a Lei 13.869/2019 não impede a divulgação da imagem do preso. Ela veda a sua exposição vexatória intencional. Só assim ela configura crime.

A divulgação da imagem de criminosos continua sendo uma ferramenta de extraordinária importância de investigação criminal, tanto no que concerne à identificação de autores de crimes, especialmente os graves, e sua localização para fins de responsabilização criminal efetiva.

Nesse âmbito, não há como ignorar a relevância de usar em benefício da segurança pública a vida cotidiana flagrada nesse grande “big brother” que são o monitoramento púbico e as redes sociais.

A propósito, lembro-me de um caso de homicídios, em Caxias do Sul, em que a Polícia Civil, com parcas informações sobre autoria dos crimes, resolveu divulgar na TV e redes sociais mídia em que uma das vítimas, no último momento em que foi vista viva, estava saindo de um baile em companhia de uma pessoa que poderia ser a autora do homicídio.

De fato, um senhor, assistindo à reportagem na TV, reconheceu a pessoa que aparecia no vídeo policial em companhia da ofendida, identificando-a como seu vizinho e fornecendo a localização.

Nos crimes sexuais, com mais razão, nos virtuais e em casos de pedofilia, por vezes, é tudo que se tem para iniciar uma investigação. Note-se que aí não existe o dolo de constranger, mas a ânimo de investigar e, portanto, não há falar em crime.

Lado outro, me coloco na pele daquelas pessoas que têm sua imagem destacada em todos os meios de comunicação, de tal modo a induzir pré-julgamento, mas, depois de submetidas ao devido processo legal, constata-se não serem as autoras do delito ou que a prova é insuficiente para condená-las.

Nesses casos, precisamos estar conscientes que a divulgação de uma imagem pode levar uma pessoa à ruína em todos os aspectos da vida humana. Nem todo autor de um crime de ocasião (um homicídio culposo, por exemplo, do qual nenhum de nós está livre de praticar) é vagabundo. Portanto, cautela, nesse tema, segue sendo a palavra de ordem, para prevenir não só abuso de autoridade, mas, também, responsabilidade civil.