O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu validar a possibilidade de prisão pelo porte de arma branca, como aponta o artigo 19 da Lei de Contravenções Penais (LCP), que estipula que é contravenção penal portar arma sem autorização, e atualmente se aplica exclusivamente a armas brancas, como facas.
A decisão surgiu no julgamento de um caso específico em que um homem foi preso por portar uma faca de cozinha. O ministro Alexandre de Moraes defendeu a constitucionalidade do dispositivo, destacando que a lesividade da arma deve ser analisada conforme o contexto.
No voto, Moraes sustentou que o porte de armas brancas em locais públicos ou de maneira ostensiva configura contravenção. Ele enfatizou que os juízes devem analisar a intenção do agente e o contexto específico para determinar a tipicidade da conduta.
A decisão gerou repercussão, principalmente, pela discussão sobre a aplicabilidade da LCP, uma norma antiga e, segundo alguns críticos, desatualizada frente à legislação moderna sobre o controle de armas. Para a maioria dos ministros, o porte de uma faca, por exemplo, pode sim representar um risco considerável à segurança pública, dependendo do local e das intenções da pessoa envolvida.
A decisão do STF é significativa, pois reafirma o entendimento de que armas brancas, mesmo que comuns em diversos contextos do dia a dia, como facas de cozinha, podem ser consideradas de porte perigoso em determinadas circunstâncias, justificando a ação das autoridades.
Caso concreto
O caso julgado é o de um homem detido com uma faca de cozinha em frente a uma padaria. O Ministério Público de São Paulo alegou que ele ia com frequência até o estabelecimento para pedir dinheiro e ficava revoltado e agressivo quando não lhe davam.
Após a abordagem da Polícia Militar, o homem foi condenado em primeira instância ao pagamento de 15 dias-multa, com base no artigo 19 da LCP. A Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília (SP) manteve a decisão.
A Defensoria Pública de São Paulo, que representa o réu, acionou o STF e apontou a falta de regulamentação exigida pelo próprio artigo 19 da LCP para sua aplicação. Por isso, argumentou que o homem não poderia ser penalizado pelo porte de arma branca.
Voto do relator
Fachin propôs cancelar o tema de repercussão geral após descobrir que o governo federal tem movimentações para regulamentar o porte de arma branca.
No caso concreto, ele reconheceu a impossibilidade de aplicação do artigo 19 da LCP até que haja regulamentação. Por isso, absolveu o recorrente.
Fachin lembrou o inciso XXXIX da Constituição, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse é o chamado princípio da legalidade.
Na visão do magistrado, “uma norma só pode ser considerada uma lei quando traça com precisão a conduta que quer disciplinar, a fim de que o cidadão possa por ela se orientar”. De acordo com ele, “normas genéricas e imprecisas favorecem indesejadas arbitrariedades” do Judiciário.
Segundo o ministro, a redação atual pode remeter ao uso de armas brancas “nas mais diversas finalidades”: desde facas ou outros instrumentos cortantes usados na pesca, na caça, na criação de animais e no cultivo de plantas, até um soco inglês, geralmente usado para agredir pessoas, mas também carregado por seguranças de casas noturnas.
Em resumo, são “incalculáveis os objetos do cotidiano” que podem ser usados como armas, “pela potencialidade de atentarem contra a integridade física”.
Os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques acompanharam o relator.
Divergência
Contrariando a visão de Fachin, Alexandre de Moraes argumentou que o artigo em questão continua válido e aplicável ao porte de armas brancas. Ele ressaltou que a norma penal “sem licença da autoridade” se aplica, exclusivamente, ao porte de armas de fogo e defendeu que a preservação da incolumidade pública justifica a manutenção da proibição do porte de armas brancas.
Além disso, propôs uma tese de repercussão geral que reafirma a validade do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais para o porte de armas brancas, frisando que a análise da potencialidade lesiva deve ser baseada nas circunstâncias do caso concreto.
No caso do homem detido em frente à padaria, o ministro notou que, de acordo como o laudo pericial, a faca tinha quase 30 centímetros de comprimento e “poderia ter sido eficazmente utilizada como instrumento perfurocortante”.
Os ministros Flávio Dino, Dias Toffoli, André Mendonça, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso acompanharam a divergência.
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