Bento Gonçalves

Vereadores devem votar reajuste aos próprios subsídios, mas sociedade critica aumento

Apesar da promessa de congelamento em março, vencimentos terão 3,14% a mais já em dezembro. Prefeito, vice e secretários não receberão o reajuste

Vereadores devem votar reajuste aos próprios subsídios, mas sociedade critica aumento

Rogério Costa Arantes / Repórter Especial

A promessa de congelamento dos salários dos vereadores de Bento Gonçalves para a próxima Legislatura, anunciada com solenidade como reconhecimento à grave crise de arrecadação ocasionada pela pandemia do coronavírus, não deve emplacar sequer o próximo recesso parlamentar, caso os vereadores aprovem, na próxima segunda-feira, dia 14 de dezembro, o projeto de lei ordinária 107, de 30 de novembro deste ano, que “concede revisão geral de vencimentos aos vereadores da câmara municipal”. A previsão é de um reajuste de 3,14% que será dado a contar de 1º de dezembro e, portanto, incidirá sobre o último subsídio e demais proventos a serem pagos aos vereadores nesta legislatura. O projeto causou estranheza na comunidade.

Em plena pandemia da Covid-19, a proposta de reajuste foi mal recebida por diversas lideranças. Enquanto diversas categorias sofrem com a crise econômica, como o caso dos trabalhadores em eventos, a Câmara segue na contramão ao reajustar os próprios ganhos, avaliam. Para o presidente do Sindilojas, Daniel Amadio, seria mais prudente que o reajuste fosse debatido pela próxima legislatura. “Os subsídios estão sem correção desde 2015, e isso demonstra que há uma defasagem. Por outro lado, o reajuste concedido no final da Legislatura é complicado. Penso que seria melhor deixar para a próxima Legislatura debater”, avalia Amadio, que lembrou que há, no próprio comércio, uma negociação para não conceder reajuste aos comerciários, e que o próprio debate do piso regional também prevê que este ano não seja concedido reajuste.

Esse também é o entendimento do presidente do CICBG, Rogério Capoani, que afirmou que a entidade deverá conversar com o presidente do Legislativo para tentar sensibilizar a Casa da inoportunidade do reajuste. “Vamos contatar o presidente da Câmara e alguns vereadores na tentativa de sensibilizá-los de que o momento não é o mais oportuno. Mesmo respeitando o trabalho realizado pela Casa, o momento que a gente vive, com todo o entorno político que envolve a crise do coronavirus, acreditamos que uma conscientização e uma nobre ação no sentido de rejeitar esse aumento será muito bem-vinda”, sintetizou o dirigente empresarial.

O reajuste também será questionado pelo Observatório Social, de acordo com sua presidente, Fernanda Titton. Segundo ela, um ofício está sendo elaborado para que seja encaminhado ao prefeito e à Câmara de Vereadores. Nós, como Observatório, vamos nos posicionar e questionar o prefeito e os vereadores sobre o porquê deste aumento”, afirmou.

De fato, a ideia de que haverá reajuste nos subsídios surpreende porque, nos primeiros dias de abril, os meios de comunicação da cidade e da região anunciaram que os vereadores haviam congelado os salários dos próprios vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários até 2024. Só que, agora, começa a ficar esclarecido que a história não é bem assim. Vamos a ela.

O projeto que originou a Lei 6.610, aprovada em março deste ano e anunciada como o congelamento dos subsídios, determina de fato que os proventos dos vereadores permaneçam fixados em R$ 9.288,61 mensais, com uma verba de representação no valor de R$ 3.715,45 para o presidente da Casa Legislativa. A votação de março é a obediência de uma determinação legal: a Constituição Federal obriga os legislativos a fixarem os subsídios para a próxima legislatura, e o Regimento Interno da Câmara de Bento, em seu artigo 29, indica como data limite para isso o dia 31 de março. “A Mesa Diretora, até o dia 31 de março da última Sessão Legislativa da Legislatura, proporá projeto de lei dispondo sobre a fixação do subsídio mensal de Vereador, para a legislatura seguinte, acompanhado de justificativa e dos impactos financeiro e orçamentário”, diz o regimento interno, com um notável erro de construção ao referir “o dia 31 de março da última Sessão Legislativa da Legislatura” quando certamente quer dizer “do último ano da Legislatura”.

Mas então como o projeto de lei que entra na pauta da sessão do dia 14 pode estabelecer uma nova revisão dos subsídios? A resposta é simples, e está na legislação anterior, a que fixou os subsídios do prefeito, do vice-prefeito, dos secretários e vereadores para a Legislatura que encerra este ano. A possibilidade estava prevista desde junho de 2016, data em que a Lei 6.123, que estabeleceu os subsídios para o período entre 2017 e 2020 foi aprovada: o artigo 5º da Lei afirma que “subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais de que tratam os artigos 2°, 3° e 4° desta Lei, serão reajustados, por meio de lei específica, na mesma data e no mesmo índice em que for procedida a revisão geral da remuneração dos servidores do Município, de que trata o inciso X, do artigo 37, da Constituição Federal”. A previsão estava lá desde a aprovação da lei, sem ser utilizada até agora, pouco mais de oito meses depois da promessa de congelamento.

Os valores dos subsídios dos agentes políticos de Bento Gonçalves estão congelados desde pelo menos 2015. Caso o reajuste de 3,14%, que é o acumulado do IPCA no período de 12 meses, seja aprovado, será o primeiro concedido desde 2015. Se passar, os vereadores eleitos deverão receber aproximadamente R$ 9.580, ainda que a legislação aprovada em março fixe os subsídios nos atuais R$ 9.288,61 mensais. Desta maneira, na prática, os subsídios dos políticos que assumirão seus mandatos em 1º de janeiro de 2021 estarão congelados, mas a referência será o valor de dezembro deste ano, já com o aumento de 3,14%.

Outra implicação do reajuste aos subsídios dos vereadores é que, se for aprovado, pela primeira vez em quase 10 anos os vencimentos dos secretários ficarão abaixo do valor pago aos vereadores, uma vez que não há previsão para que os pagamentos a prefeito, vice-prefeito e secretários também receba o reajuste.

Na mesma sessão da próxima segunda-feira, o projeto de lei 106, que também deverá ser apreciado, concede o mesmo índice de reposição da inflação do período aos servidores municipais. A legislação que fixa os subsídios dos políticos até 2024, mantém a previsão de reajustes inflacionários. Procurado para comentar o projeto, o presidente do Legislativo, Rafael Pasqualotto, não retornou as ligações da reportagem.