Bento Gonçalves

Prefeitura de Bento Gonçalves prorroga contrato milionário sem licitação

Empresa que substituiu CCS não apresentou a melhor proposta, mas receberá quase 25 milhões em nove meses de contrato com a administração bento-gonçalvense

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Funcionários da CCS realizaram manifestações por atraso nos pagamentos
Funcionários da CCS realizaram manifestações por atraso nos pagamentos

Ao contrário do que havia anunciado em maio deste ano, a prefeitura de Bento Gonçalves não lançou até o final do ano uma nova licitação para a contratação de uma empresa que gerencie a oferta de servidores terceirizados ao município e renovou o contrato com a APL Apoio Logístico, empresa contratada em junho para substituir a CCS Serviços Terceirizados para oferta de mão de obra para serviços gerais em diversas secretarias da administração pública. O contrato, que encerra no dia 4 de março de 2021, vai exigir da prefeitura um gasto de R$ 7,9 milhões para a contratação de serviços como auxiliares administrativos e para a educação infantil, recepcionistas, cozinheiros, eletricistas, motoristas e garis, entre outros. Por outro lado, a prefeitura renovou a promessa: pretende realizar a nova licitação ainda no primeiro trimestre do próximo ano.

Um dos maiores contratos do ano da prefeitura em volume de recursos, a contratação da empresa que substituiu a CCS está cercada de detalhes que chamam atenção. Um deles é que, assim como a maior parte dos contratos firmados para atender o combate à pandemia da Covid-19, também dispensou a licitação para ser celebrado. O contrato, firmado em junho e que recebeu dois aditivos, pulando de um valor inicial de cerca de R$ 13 milhões para seis meses para um gasto total de R$ 24,9 milhões em nove meses, conforme o portal da transparência da prefeitura, pode ser celebrado com dispensa da licitação porque o Tribunal de Justiça do estado (TJRS) suspendeu em maio o processo licitatório por divergências no edital quanto à exigência de comprovação de experiência prévia da empresa contratada na prestação do serviço.

Manifestações contra CCS por atraso nos pagamentos provocaram busca por uma nova empresa terceirizada

Como a contratação da CCS se encerraria em junho e não havia interesse da prefeitura em renovar o compromisso após meses de impasse entre a prefeitura, a empresa, os servidores terceirizados e o sindicato da categoria devido a problemas de atraso e mesmo falta de pagamento aos contratados, não haveria tempo hábil para corrigir o processo licitatório. Assim, a prefeitura comprovou o caráter emergencial da manutenção dos serviços prestados e a contratação não seguiu os ritos legais previstos em um processo licitatório. Tudo certo, a prefeitura então realizou uma tomada de preços que contou com cinco empresas interessadas em oferecer o serviço.

Prefeitura descarta melhor proposta

Das cinco empresas selecionadas, uma delas foi desclassificada do certame e quatro efetivamente apresentaram uma proposta. No dia 26 de maio, menos de 20 dias depois da suspensão da licitação pelo TJ, a prefeitura publicava no Diário Oficial a autorização para a contratação emergencial da empresa GFG Recursos Humanos por 180 dias, a um custo de R$ 12,4 milhões, para fornecer a mão de obra para as secretarias e substituir a CCS após cerca de uma década de serviços prestados ao município. A intenção anunciada pelo governo municipal era recorrer da decisão do tribunal que suspendeu a licitação e retomar o processo para definir a empresa que vai gerenciar a contratação de terceirizados para a prefeitura a partir de janeiro de 2021 até o final deste ano. Mas nada saiu como previsto, e a GFG não começou a prestar os serviços. Em vez disso, no dia 4 de junho, a prefeitura publica o contrato com a APL Apoio Logístico, que aparece no portal da transparência com seu nome original, APL Administradora de Pedágios.

Uma pesquisa sobre a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAES) da empresa indica que sua principal atividade é a concessão de rodovias, pontes, túneis e serviços relacionados. Como atividade secundária está a prestação de serviços especializados para construção e atividades de transporte de valores. Mesmo assim, a ausência da classificação para a atividade contratada não caracteriza impeditivo legal para a contratação.

Mesmo que a contratação da empresa tenha sido feita por dispensa de licitação, a falta de uma explicação oficial para a substituição da empresa e o aumento do custo chamaram a atenção do Ministério Público Estadual (MP) de Bento Gonçalves, que solicitou uma justificativa para a prefeitura ter preterido a empresa que apresentou o menor preço. Em ofício encaminhado como resposta pelo Procurador-Geral do Município (PGM), Sidigrei Spassini, a prefeitura confirmou que decidiu não contratar a empresa GFG, e encaminhou um relatório de diligência. O relatório comprovaria que existiam conexões societárias entre a GFG e a CCS, de acordo com o promotor Alécio Nogueira, que disse não ter acesso a outros elementos e informou que as diligências do MP não seguiram adiante.

As supostas conexões não são comprovadas de maneira direta, no quadro de sócios das empresas que pode ser consultado no site da Receita Federal. A CCS tem dois sócios, Márcio Adriano Espíndola Marques e Enio Fioravante Prates, enquanto a GFG aparece como sendo de propriedade de Paulo Sérgio Leivas Lopes. A reportagem tentou contato com as duas empresas sem sucesso, e não teve acesso ao relatório enviado pela prefeitura ao MP.

Gastos são milionários

Na mesma consulta à Receita Federal, uma outra conexão pode ser comprovada: o sócio-proprietário da APL é Fernando Leo de la Rue, que já manteve encontros de negócios milionários com a prefeitura de Bento Gonçalves antes de prestar serviços com sua APL. Ele atuou como procurador da MedSaúde, empresa que presta serviços para o município de contratação de mão de obra na área da Saúde. Em abril deste ano, ele mesmo assinou o contrato da empresa com a prefeitura, em um relacionamento que resultou ao longo de 2020 no pagamento de cerca de R$ 25 milhões pelo município, também por dispensa de licitação, desta vez por conta da emergência decretada pela pandemia do novo coronavírus. Menos de dois meses depois, a empresa da qual ele é sócio fecha um novo contrato milionário com a prefeitura, também para o fornecimento de mão de obra terceirizada, mesmo sem apresentar o preço mais baixo entre as empresas concorrentes.

Consulta à Receita Federal mostra que Fernando de la Rue é sócio da APL
Documento comprova que dono da APL assinou contrato como representante da Med Saúde

A substituição da GFG pela APL fez saltar o gasto da prefeitura com a contratação de serviços gerais terceirizados. Enquanto a proposta mais baixa previa um custo total de R$ 12,4 milhões em seis meses, a contratação da APL fez crescer esse custo para R$ 13,1 milhões, uma diferença de cerca de R$ 700 mil. Mas isso foi só no papel. O valor estabelecido pelo contrato original, assinado no dia 8 de junho, logo ganhou um aditivo de R$ 3,9 milhões, assinado no dia 30 do mesmo mês. Um acréscimo de quase 30% no valor que fez a empresa garantir o segundo lugar na tomada de preços. A justificativa para o aumento foi o acréscimo de 319 cargos na secretaria de Administração e 502 cargos na secretaria de Educação a partir de julho.

Passados os seis meses de vigência do contrato, encerrado no dia 4 de dezembro, pouco mais de R$ 11 milhões aparecem como pagos no portal da transparência, uma nova licitação para contratar uma empresa para a prestação dos serviços terceirizados não saiu do papel e, no final de novembro, o contrato com a APL foi prorrogado até o início de março do próximo ano, a um custo de R$ 7,9 milhões para garantir a prestação dos serviços nos próximos três meses. De acordo com a prefeitura, o prazo deve ser suficiente para que a nova administração, que toma posse em 1º de janeiro, realize um novo processo de licitação.