Opinião

Reflexões Filosóficas III

Confira o artigo semanal da Dra. Silvia Regina Becker Pinto

Foto: Arquivo Leouve
Foto: Arquivo Leouve

Pois então? O que pensa você: tudo nesta vida está escrito nas estrelas (o que tiver de ser, será)? Ou o homem, pela prática, independentemente de qualquer conhecimento prévio, por livre arbítrio, pode, por suas escolhas, construir o seu futuro?

Não se apresse em responder a esse questionamento. Muitos pensadores empreenderam a vida toda e não chegaram a uma conclusão hermética, fechada. Há uma tendência de precipitação que deve ser evitada.

Em colunas anteriores, falamos do determinismo; sobre a crença de que tudo na vida está predestinado (como era a ideia de Platão), e que isso contrasta com uma ideia de contingência (Aristóteles), no sentido de que o ser humano, sendo ele um ser racional, por suas próprias escolhas, pode alterar o seu destino.

Você pode se apressar a dizer: claro que pode! Pode sim! Pode? Parece-me que esta resposta tão contundente não responde, por exemplo, à situação daqueles que chegaram a este mundo portadores de alguma deficiência incapacitante, alguma necessidade especial, em que algo externo, que não por opção qualquer de um ser humano, determinou (uma causa que independe de sua vontade).

Eu, por exemplo, confesso que tenho dificuldades de entender o que seja livre arbítrio formal (o simples poder, no sentido de não ser vedado), desacompanhado de uma dimensão econômica que também me diga que eu tenho condições): afinal, livre arbitro não é nada, senão filosofia vazia, para aqueles que morrem de fome ou por outros motivos de opressão todos os dias na África (citei apenas um dentre tantos exemplos que poderia citar).

Por outro lado, para aqueles que acreditam somente em destino, fica subentendido que o ser humano é desprovido de qualquer responsabilidade (o contraponto da liberdade, do poder de autodeterminação). Isso dispensaria que o homem se acautelasse de tudo, já que, ao final, o que tem de acontecer inevitavelmente acontecerá. “Eu sou o Papael e nada vai me acontecer!”

Calma. Não é tudo. Se você acredita que o destino de cada um é predeterminado, então tem que admitir que até o homicídio, por exemplo; estava escrito, e aconteceu porque tinha que acontecer.

E o Direito? Como enfrenta isso? O Direito acolhe ambas as teorias, ora estabelecendo idade mínima para responsabilidade penal, ora prevendo absolvição imprópria para os acometidos por doença mental incapacitante, ora reduzindo penas em razão dela, ora prevendo a irresponsabilidade civil, dentre tantas outras expressões de acolhimento desse antagonismo.

Como regra, o ser humano pode realizar escolhas e estas, invariavelmente, repercutirão com a correlata responsabilidade. Porém, algumas coisas não estão na esfera de nossa discricionariedade e do nosso arbítrio.

Bem examinado, trata-se também de saber se algo externo move o homem ou se homem se move por si só. Se o bem e o mal estão fora ou dentro de cada ser humano. Se há um Criador (um primeiro princípio), transcendente (portanto, está fora) que a tudo comanda e determina a vida da gente, podendo nela interferir a seu talante, ou se o Princípio Criador está dentro de cada um que lutará por si, entre o bem e o mal, dizendo ele mesmo, por suas escolhas, quem vencerá a batalha e que futuro terá.

Muitos dão a esse princípio Criador o nome de “Deus” ou outro, conforme sua confissão de fé. Mas eu tenho dificuldades em acreditar naquele “Deus” bom e justo, se pensar que ele comanda tudo de fora, como Senhor Absolto do destino de todos. Fosse assim, como se explicaria tanta maldade, tanta injustiça, tanta miséria do destino de alguns em detrimento ao destino de outros? Que justiça haveria nisso?

Por outro lado, também tenho dificuldades em acreditar na imanência do bem e do mal (em um Criador interior), quando vejo tanta maldade perpetrada pelo próprio ser humano, não raro, mestre em crueldade, muito especialmente quando em disputa o Poder. Ainda, a dimensão espiritual do ser humano o remete sempre ao princípio criador: não haveria dois, se não fosse um primeiro. Não haveria dois, se a alteridade não integrasse a unidade. Tudo isso já passou pelo seu pensamento, mas você não percebeu que estava filosofando…

Creio numa postura conciliadora desses antagonismos; parece-me mais razoável: os grandes traços da natureza humana são predeterminados. Vêm no DNA. Mas cabe, ainda, sem embargo, a cada indivíduo, realizar, nos pormenores, suas escolhas e arcar com as consequências delas.

Não se trata de uma postura bipolar. Ela apenas se harmoniza com um ser que é feito de uma dimensão física e outra espiritual, esta mais afeita à contingência e à apropriação de quem aprendeu, pelo “Pai Nosso”, que descendemos de um pai (Primeiro Princípio, como é próprio da Filosofia) é que ele é nosso, ou seja, que compartilhamos a mesma aventura humana, e que somos responsáveis por nós mesmos, como temos deveres para com os nossos semelhantes.