Público x Privado: fronteiras que moldam a cidade

Em toda cidade, existe uma linha que separa o que é de todos do que é de poucos

Imagem: Cristina Mioranza/Divulgação
Imagem: Cristina Mioranza/Divulgação

Em toda cidade, existe uma linha — às vezes visível, às vezes simbólica — que separa o que é de todos do que é de poucos. Essa linha, que divide o espaço público do privado, é mais do que um limite físico: é um marcador de como nos relacionamos com a cidade, com o outro e com a ideia de coletividade. E nas cidades da Serra Gaúcha, marcadas por forte senso de pertencimento e uma ocupação urbana em constante transformação, essa discussão se faz urgente.

Vemos cada vez mais praças cercadas, calçadas invadidas por rampas de garagem, áreas de sombra que só existem dentro de condomínios fechados. A cidade se fragmenta. O que era de todos começa a ser apropriado por poucos e, muitas vezes, com a complacência do poder público. A lógica do mercado, baseada no lucro, vai avançando sobre o espaço urbano, muitas vezes sem contrapartidas reais para o coletivo.

Há uma inversão preocupante em curso: o que é público é visto como secundário, e o privado como sinônimo de conforto, segurança e valor. Mas a verdadeira qualidade de vida não está apenas dentro dos muros altos ou nas varandas gourmet dos apartamentos. Ela está no trajeto até o trabalho, no passeio da tarde com o cachorro, na calçada bem-feita para uma criança andar de bicicleta. Está na cidade que nos acolhe mesmo quando estamos só passando.

Arquitetura e o Espaço Público

A arquitetura, nesse contexto, pode tanto reforçar a desigualdade quanto ser uma ferramenta de equilíbrio. Um bom projeto é aquele que entende a transição entre o privado e o público como uma oportunidade e não como um confronto. Uma fachada ativa no térreo de um prédio, por exemplo, pode gerar vida urbana. Um recuo com jardim aberto à calçada transforma o entorno. Uma escola com muro permeável cria vínculos com o bairro. São gestos arquitetônicos que dizem: “a cidade também é sua”.

É preciso coragem para discutir essas fronteiras. Para exigir que empreendimentos contribuam com espaços públicos de qualidade. Para que o lucro de uma edificação privada reverta em melhorias reais para quem circula do lado de fora dela. Para que o uso do solo urbano não seja regido apenas por interesses individuais, mas também por princípios de justiça espacial.

Desafios da Verticalização e Valorização Imobiliária

Em tempos de verticalização acelerada e valorização imobiliária intensa, como vemos em cidades da região, essa discussão se torna ainda mais essencial. O solo urbano é um bem finito. E a forma como o dividimos, entre o que é de todos e o que é de alguns, revela muito sobre que cidade estamos construindo.