Opinião

O tributo sobre o conhecimento

Será que é interessante fazer o povo pensar?

O tributo sobre o conhecimento

Há um projeto de lei no Congresso (PL 3887) que visa simplificar parte da tributação. As contribuições PIS/COFINS deixam de existir e passa a existir a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Recentemente o governo justificou a incidência da CBS sobre livros, sob o argumento de que “De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 (POF), famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumido pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos”.

Assim não haveria problema de tributar livros em 12%, já que famílias pobres não consomem livros. O argumento é cruel. Ele utiliza a consequência do problema para aumentar o próprio problema: Já que famílias com baixa renda não consomem livros (esse é o problema), vamos encarecer os livros, o que tornará ainda mais difícil para essas famílias passarem a consumir livros.

Em 1712 foi instituído na Inglaterra uma série de tributos que posteriormente foram denominados de “Tributos sobre o Conhecimento”1. Eram tributos que incidiam sobre anúncios, sobre a venda de jornais e sobre o papel utilizado na impressão. Eles foram rechaçados e deixaram de existir, pois ficou claro que, além do objetivo arrecadatório dos tributos, eles tinham o evidente objetivo de censura. E tolher das pessoas o acesso ao conhecimento.

Quanto mais caras as impressões, menos as ideias circulavam.

O que chama a atenção é que o governo da época justificou a tributação por entender que os jornais eram itens supérfluos. Luxuosos. E assim, sua tributação não iria afetar os mais pobres2.

Curioso, não?

300 anos depois. No outro lado do atlântico, o argumento é o mesmo. Mesmíssimo. Mas lá esses tributos foram extintos.

Aqui no Brasil há uma particularidade que ilustra a complexidade do nosso Sistema. Existe a imunidade de “impostos” sobre venda de jornais e livros. Como uma “contribuição” não é imposto, mas sim outra espécie de tributo, juridicamente é possível a incidência de “contribuições” sobre livros e jornais. Enquanto não é possível a incidência de “impostos”.

O objetivo da imunidade de “impostos”, presente em nossa Constituição, é muito claro e pacífico: a imunidade visa a promoção do exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação. Também visa incentivar o acesso da população à cultura à informação e à educação.

A discussão técnica jurídica sobre a possibilidade da aplicação da imunidade também sobre as contribuições é importante e pertinente. Mas o ponto que quero levantar aqui vai além da técnica jurídica.

O ponto é pensarmos no objetivo do Estado em si.

Tributos são utilizados para incentivar e desincentivar condutas. Tributos baixos estimulam o desenvolvimento. A Constituição reconhece isso claramente ao determinar que micro e pequenas empresas tenham um tratamento diferenciado, por exemplo.

É claro que uma tributação simplificada é um objetivo premente. Mas será que a simplificação máxima, no fato de ter uma só alíquota para todas as mercadorias, é a ideal? Será que não atingiríamos um grau extremamente satisfatório de simplificação com duas alíquotas, por exemplo.

Uma geral e outra alíquota zerada destinada aos casos que efetivamente são de interesse do Estado promover. Por exemplo, cesta básica de alimentos, medicamentos e livros/jornais?

No caso de livros, a alíquota zerada de tributos visa ainda a promover, da forma mais ampla possível, a busca do conhecimento, o ideal de livre circulação de ideias e a liberdade de expressão.

Esse é, senão o de maior, um dos direitos fundamentais de maior importância para nossa democracia. E ele deve ser promovido ao máximo.

O poder dos livros em gerar conhecimento e trazer o melhor de nós para a sociedade é auto evidente. Mesmo assim, gosto da frase de Elon Musk, que talvez seja o maior empreendedor de nossa era: Eu fui criado por livros. Por livros e, então, por meus pais.

Que aprendemos com o passado. Que aprendamos com bons exemplos. Que aprendemos com nossos maiores escritores:

Oh! Bendito o que semeia

Livros à mão cheia

E faz o povo pensar!

O livro, caindo n’alma

É germe – que faz a palma,

É chuva – que faz o mar! (Castro Alves)

1 COLLET, Collet Dobson. HOLYOAKE, George Jacob. History of the Taxes on knowledge: their origin and repea. Watts, London. 1933.
2 Oats, L., & Sadler, P. (2004). POLITICAL SUPPRESSION OR REVENUE RAISING? TAXING NEWSPAPERS DURING THE FRENCH REVOLUTIONARY WAR. The Accounting Historians Journal, 31(1), 93-128. Retrieved April 11, 2021, from http://www.jstor.org/stable/40698294.