JUSTIÇA

O namoro e a Lei Maria da Penha

O art. 5º da Lei Maria da Penha define o que se deve entender por “violência doméstica e familiar” contra a mulher

Mão de adulto segurando o braço de criança, sugerindo violência ou proteção.
Imagem: Freepik

Agressão contra a namorada no curso do relacionamento de namoro pode ser considerada “violência” doméstica?

Alguém me fez esse questionamento e eu percebi que a dúvida de um pode ser também a dúvida de muitos. Então, trato aqui de esclarecer.

Em princípio, alguém poderia ser induzido a crer que a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) não se aplicaria à relação de namoro, porque tal relacionamento não se confunde com uma “entidade familiar” e, portanto, não se amolgaria ao requisito da “relação doméstica”.

De fato, há uma impropriedade na referida expressão ou, talvez, uma incompletude na redação do Diploma Legal em referência.

Mas o art. 5º da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) define o que se deve entender por “violência doméstica e familiar” contra a mulher.

O dispositivo legal diz que violência contra a mulher, no âmbito das relações domésticas e familiares, se caracteriza por qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, podendo se verificar:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Como se vê, a Lei Maria da Penha elegeu dois requisitos para a sua incidência: (i) a violência de gênero, praticada contra a mulher justamente em função de “ser mulher”; e, (ii) o afeto, no âmbito das relações de íntima convivência, independentemente de ser uma relação familiar.

A Lei Maria da Penha se aplica em casos de agressão no namoro?

Ora, o namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão ou violência do namorado contra a namorada, inclusive a violência ocorrida depois de já ter cessado o relacionamento – mas que ocorra em decorrência dele -, caracteriza violência doméstica e, por conseguinte, atrai a incidência da Lei Maria da Penha, como já pacificado no Superior Tribunal de Justiça.

O STJ, aliás, dirimindo qualquer dúvida, quando editou a Súmula nº 600 com a seguinte redação: Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”.

Agora, atenção: apesar de se falar em agressão do namorado (homem) contra a namorada (mulher), o STJ compreende que a Lei Maria da Penha é aplicável mesmo nos casos de o agressor ser mulher. Ja a vítima deve ser necessariamente uma mulher (confira o HC nº 413357).

Como fica, poderia ser perguntado, a questão da transsexualidade?

Lei Maria da Penha em casos de mulheres trans

No primeiro semestre de 2022, a Sexta Turma do STJ decidiu que se aplica a Lei Maria da Penha aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transgênero.

O relator do recurso, Ministro Rogerio Schietti Cruz considerou que, por se tratar de vítima mulher, independentemente do seu sexo biológico, tendo ocorrido a violência em ambiente doméstico ou familiar, a Lei 11.340/06 deve ser aplicada.