Opinião

Nenhum caminho leva a Roma!

Nenhum caminho leva a Roma!

Recentemente, terminei de ler o livro “MindHunter”, de John Douglas e Mark Olshaker. Em verdade, a obra é um relato muito sintético de John Douglas sobre sua exitosa carreira no FBI, em Quântico, como analista de perfis criminosos, com ênfase nos casos de serial killers, ou seja, de assassinos em série.

Fora do âmbito do narcotráfico, onde gente mata gente como a grande maioria de nós não mataria sequer uma formiga, nunca tivemos um caso desses em Caxias do Sul ou arredores em todo o tempo que estive na Promotoria de Justiça nesta Cidade.

Porém, durante a leitura da obra de J.Douglas, dois casos me vieram à mente e me puseram a refletir a respeito. São eles o “Caso Dolinsk”, em que, com idêntico modus operandi (como o sujeito faz para cometer o crime), com possível crime sexual (o que somente se pode supor, e não acusar, pelas características em que as vítimas foram encontradas com as calças arreadas e pedras amarradas no corpo na Barragem da Maestra), o assassino matou duas mulheres em curto espeço de tempo (duas semanas), e o “Caso Nayara”, onde o modus operandi teve uma variante, pois o gente foi acusado de estupro de vulnerável em relação à primeira vítima, e de estupro de vulnerável e homicídio qualificado em relação à segunda. Houve um agravamento, portanto, na ação criminosa.

Não quero falar dos crimes em si, até porque, em um deles, o acusado ainda não foi julgado (o Caso Naiara). Minha abordagem corre em outro sentido: em ambos os casos, os agressores eram pessoas insuspeitas. Eram casados, um deles tinha filho. Levavam uma vida simples e normal, pela qual teriam passado sem jamais ocupar nenhuma página policial dos jornais ou redes sociais, não fossem os crimes acima referidos. Não tinham nenhum antecedente criminal, absolutamente nada. Eram ambos homens de meia idade, um deles considerado trabalhador exemplar em renomada empresa de Caxias do Sul.

Durante minha leitura, minha mente não parava de reproduzir os dois casos em que trabalhei e de me perguntar: o que faz uma pessoas dessas, de hora para outra, “virar a chave”, para, de uma pessoa normal e pacífica, se transformar, de repente, em um monstro, capaz de praticar crimes tão brutais e bárbaros como aqueles levados a efeito contra as “presas” eleitas (todas mulheres, inocentes e vítimas de ocasião)? Por que elas e não outras? E por que crianças? Haveria um estressor desencadeante anterior às práticas criminosas? Nasceram assim más?
O pior de tudo é que a obra me fez lembrar que não temos respostas científicas para essas perguntas. É possível traçar um perfil; porém, não temos, em nenhum campo da ciência, elementos para atuar preventivamente, de forma que a Justiça possa se antecipar aos acontecimentos e impedir que novas vítimas sejam feitas pelos mesmos criminosos.

Com efeito, no âmbito jurídico-penal, ao menos no “Sistema Jurídico-Penal Tupiniquim”, também não temos um tratamento legal adequado para dar uma solução definitiva para casos como esses tratados em nossa análise: eles voltarão. Nenhum caminho leva a Roma.

Explico: podemos aplicar aos autores desses crimes monstruosos pena privativa de liberdade por um tempo. Por bem pouco tempo na verdade. A uma, pelo fetiche da pena mínima; a duas, pelas benesses da execução da pena, como progressão de regime para o semiaberto, com o cumprimento de 2/5 das penas (se hediondo, pois, do contrário, é de 1/6), no caso, que, na Vara das Execuções de Caxias do Sul e do Brasil, em geral, equivale ao semiaberto e, recorrentemente, prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica (quando tem) ou sem, mas, em qualquer caso, sem fiscalização muito efetiva, sem contar com o livramento condicional (com o cumprimento de 1/3 da pena), detração, comutação, “saidinhas” e outros benefícios que fazem com que o encarceramento nunca seja aquele da condenação efetiva.

Isso significa que as pessoas que cometem crimes da natureza supra, que levantam pela manhã ou saem à noite à espreita se suas presas, para, ao fim, abatê-las feito animais, por prazer ou para satisfazer suas lascívias e seus extintos mais selvagens – e que são, portanto, perigosas (e disso se pode fazer um prognóstico razoável), haja o que houver, em pouco tempo, retornarão para as ruas em busca da próxima vítima, venham ou não a ser descobertos pelas autoridades policiais, pois são, de regra, sociopatas ou psicopatas, e não têm nenhuma empatia para com a humanidade do outro; de nada se arrependem e, se choram, isso nada tem a ver com a presa, seu extermínio, sua dor ou dos seus familiares, mas com piedade de si próprios, pela situação em que se colocaram. Lamentam apenas terem sido descobertos.

A sociopatia ou psicopatia são distúrbios mentais diagnosticáveis pela Psiquiatria e pela Psicologia, que nada tem a ver com insanidade mental (que é um conceito jurídico ligado à capacidade da pessoa de entender a ilicitude de seus atos, isto é, de saber se está agindo certo ou errado, e de se determinar de acordo com esse entendimento). A simples existência de tais distúrbios mentais não exime nenhum criminoso de culpa, a não ser que o distúrbio seja completamente delirante, de forma que ele não compreenda suas ações no mundo real, os malucos, que, segundo John Douglas, são fáceis de capturar. Já os criminosos de nosso tema não: são inteligentes e organizados; calculam, escolhem a presa, agem, a abatem e se escondem. Identificá-los e prendê-los é obra de profunda e metódica investigação. Não raro, como foi com Jack Estripador, nunca chegam a ser descobertos. Não agem em frente a um policial fardado, pois não são loucos à evidência. Não confundam psicopata com psicótico.

Vocês podem, à altura, achar que não entenderam nada. Entenderam, sim: autores de crimes como os dos Casos Dolinks e Nayara permanecem presos por certo tempo (não muito), e não temos absolutamente nada a fazer senão, chegado o tempo legal, devolvê-los às ruas, porque não temos como mantê-los atrás das grades para termos a certeza de que nunca mais farão uma coisa horrorosa daquelas com ninguém. Vão retornar e vão agir novamente, porque não são doentes. São cruéis e desumanos e isso não tem cura; e nós, de outro lado, não dispomos de prisão perpétua nem pena de morte para esses casos em que seriamente o tema deveria ser discutido, porque a segurança das pessoas é direito fundamental e dever do Estado.

Já cheguei a pensar em castração química, mas isso também é ilusório. Esses crimes são crimes de ódio, crueldade e desumanidade, que não dependem da libido. Mesmo sem apetite sexual, a violência se releva e, por vezes, ainda mais intensa, sendo, portanto, medida ineficaz para a garantia de que não tornarão a matar e a praticar outros tipos de atrocidades. Acho que era tempo de sermos francos para mudar o discurso do desencarceramento, quando estivermos diante de casos de crimes desse jaez. É como penso: eles jamais deveriam voltar às ruas e jamais passariam no meu perfil ético para atuação como Defesa.