Cheguei em Seattle, a cidade mais importante do estado de Washington. Depois de finalmente tomar um bom banho e me reconectar, passei alguns dias nessa cidade linda, onde tenho muito bons amigos e família que me acolhem carinhosamente quando volto, como se eu nunca tivesse ido embora.
Pois bem, estou no berço e jardim de infância do movimento grunge dos Seahawks, do Starbucks, do Space Needle, da Boeing, da Microsoft, da Amazon e de tantas outras empresas de tecnologia e inovação, e partindo para o meu próximo destino ruma a terras beeem distantes e que nunca imaginei visitar, e que só vou contar na próxima coluna.
Chegamos com 5 horas de antecedência no aeroporto, após pegar um trem quase na porta da casa dos nossos amigos até dentro do aeroporto, por 3 dólares, uma maravilha da mobilidade, economia e sustentabilidade. No Seatec, um dos aeroportos mais movimentados dos Estados Unidos, tudo lindo e lotado de gente indo e vindo, mas notei uma névoa de caos pairando. Muitos funcionários indicando por onde ir e alguns locais com acesso restrito. Até então, achei que era minha imaginação e mania de arrumação que estava colocando defeito naquele aeroporto sempre tão organizado e eficiente.
Após despachar as malas começamos a procurar por informações nos painéis de partidas e chegadas. No primeiro, um aviso de que estava desligado. Ok, acontece, né? Quem nunca quebrou uma tela de celular que julgue. Logo mais telas desligadas, e enquanto saboreávamos vagarosamente o sanduíche e café mais caros que uma sequência de camarão para 4 pessoas, com bebida, na praia e na alta temporada, fui conectar no Wi-Fi e … nada!!! No celular, no computador, no celular do marido, no pensamento e na reza, nada, nenhum suspiro de conexão.
Como eu, de novo, ia sobreviver sem o Wi-Fi do aeroporto? Eu, que tinha programado a procrastinação e deixado para fazer toda minha lição de casa, resolver perrengues do trabalho e pagar contas que tinham dado cria durante a viagem, como fazer sem Wi-Fi??
No caminho entre a praça de alimentação a peso de ouro e os portões de embarque, tinha um quadro, escrito à mão, com as informações dos voos e no verso um aviso: NO Wi-Fi. Parecia uma pegadinha do Porta dos Fundos com a Jaquirana Air, a companhia aérea dos Campos de Cima da Serra. Meio conformada, meio desconfiada, fui para o portão de embarque e, apesar de estar viajando com a passagem econômica plus extra pobre, estava lá me achando comigo mesma porque ia viajar de Lufthansa, o símbolo aéreo da austeridade e pontualidade. Depois de 1 hora de atraso, finalmente embarcamos e, mesmo sem conseguir conectar a internet nem no voo, comecei tardiamente a ligar os pontos.
O aeroporto e o porto de Seattle sofreram um ataque hacker no dia 24 de agosto, e o caos se instalou. Desde então, o aeroporto estava operando à manivela, papel e caneta. As filas dentro e fora do prédio e os funcionários indicando os caminhos não eram o resultado de um movimento extra, mas sim um caos gerado pela tecnologia, ou melhor, pela nossa dependência quase total dela para viver e as consequências da ausência.
Experimentei situação parecida em Florianópolis em 2003, quando por total falta de manutenção e inoperância, os cabos que levam energia elétrica à ilha, e que passam pela Ponte Colombo Salles, foram danificados e ficamos 3 dias sem luz. A ilha inteira, sem luz. Rapidamente as velas e pilhas desapareceram do comércio, mesmo sendo vendidas pelo preço do sanduíche de aeroporto. Não tinha como sacar dinheiro, pagar com cartão, abastecer carros, falar no telefone ou conectar na internet discada da época!
De 2003 para cá, muita coisa mudou, e a nossa dependência em tecnologia só aumentou. Não me entenda mal, amo tecnologia, mas também adoro um radiozinho a pilha, desde que bem sintonizado, e uma lanterna solar.
A gente tem que aprender cada vez mais a viver com um olho no futuro, mas com uma memória fresca do passado. Saber sobreviver em tempos de caos requer mais que usar cartão de crédito, débito ou aproximação. Temos que saber escrever com caneta em letra cursiva, ler um livro de papel, conversar com pessoas de carne e osso ao vivo e em cores, e especialmente, arrumar umas lenhas pros hackers racharem e finalmente fazerem algo de útil para a humanidade.