JUSTIÇA

Casamento letal nos EUA

"Moderação” é requisito inarredável da legítima defesa

Imagem: Netflix/Divulgação
Imagem: Netflix/Divulgação

Os que me conhecem sabem que, além de advogar, eu sou professora universitária. Uma das disciplinas que leciono é “Técnicas de Júri”.

Há alguns dias, desenvolvi com os meus alunos uma atividade interessante específica: depois de confirmar com eles que todos tinham acesso à Plataforma Netflix, pedi que assistissem ao documentário “Casamento letal nos EUA” recém inserido no catálogo. Depois, iríamos discutir, como, de fato, discutimos, alguns aspectos do caso.

O documentário expõe os detalhes sombrios do assassinato brutal de Jason Corbett (de 39 anos), abordando os bastidores do caso que chocou os Estados Unidos (onde o crime aconteceu, em agosto de 2015, na Carolina do Norte) e a Irlanda, país de procedência de Jason.

Jason era empresário irlandês quando ficou viúvo, com dois filhos praticamente bebês para criar. Anunciou, algum tempo depois, que precisava de uma babá e lhe apareceu uma moça perfeita que atravessou o Atlântico para exercer a tarefa na Irlanda: Molly Martens.

Ela era ótima com as crianças, mas a relação foi além: não tardou e teve início uma relação amorosa entre ela e Jason. Eles casaram em 2011, mudaram-se para os Estados Unidos logo na sequência, mas Jason refutava a pretensão de Molly em adotar formalmente as crianças, embora elas mesmas a chamassem de mãe e tivessem com ela uma relação maternal.

Em 2015, o casamento estava conturbado e o ambiente era tenso entre o casal; foi quando o crime aconteceu. Jason, em uma noite de agosto, foi espancado até a morte pelo sogro, Thomas Martens – ex-agente do FBI – e por Molly.

Justificativa para o crime? Molly estava sendo agredida (estrangulada), vítima de violência doméstica, quando seu pai interveio e golpeou Jason com um taco de basebol. Em seguida, para defender o pai, Molly golpeou Jason com uma pedra. Ambos disseram que agiram para se defender.

Ocorre que as evidências forenses e as falas do Júri a que ambos foram submetidos não amparavam a tese da legítima defesa. Molly e Thomas não tinham lesões de defesa, ao passo que a cena do crime mostrava o sangue de Jason espalhado, em grande volume, por toda parte. Não parecia que alguém havia se defendido ali.

Paro com o “spoiler” por aqui, porque esse foi um dos principais motivos da atividade: verificar a importância da tese defensiva conversar com a prova técnica.

Ora, Jason recebeu tantos golpes que o legista sequer conseguiu contabilizar o número de ferimentos, tudo muito incompatível com um evento em que alguém reage no limite de se defender.

Como justificar um embate de duas pessoas contra uma, quando uma delas resta morta por incontáveis lesões, e as outras duas não apresentam sequer lesões?

Legítima Defesa e Moderação

No Brasil, por exemplo, o artigo 25 do Código Penal diz que se entende em legítima defesa aquele que, fazendo uso dos meios necessários, repele agressão justa, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Vejam que “moderação” é requisito inarredável da legítima defesa e, no caso examinado, nada havia de moderação ou de proporcional.

Por isso é sempre importante que o profissional do direito tenha uma noção de conjunto da prova antes de estabelecer a linha defensiva e antes de deixar o defendido falar sem a devida orientação.

Assista ao documentário e avalie por si próprio se houve justiça no caso.