Dentro de uma perspectiva existencialista do papel das leis e dos julgamentos, a transformação raramente nasce do que é esperado ou do que parece harmônico. O impulso vital que reorganiza a história muitas vezes surge da provocação contrária. O adversário, com sua afronta, não é apenas um opositor: torna-se, paradoxalmente, um guia indireto. O que realmente importa não é a literalidade do discurso, mas o efeito gerado pelo choque que ele provoca.
Foi o que se viu, de forma surpreendente, no julgamento de Bolsonaro nesta semana. Sua trajetória, marcada por discursos que dividiram opiniões e por confrontos diretos com instituições, acabou provocando efeitos que vão muito além de suas intenções. A tensão em torno de sua figura influenciou não apenas o debate público, mas também ministros do STF. O voto de Luiz Fux, por exemplo, destoou de sua própria linha anterior, revelando como essa força paradoxal rompe previsibilidades e molda decisões capazes de alterar os rumos da nação.
Esse fenômeno revela um princípio fundamental da evolução humana e do progresso dos povos: certas mudanças só acontecem quando partem da fonte menos provável. Se viessem das próprias comunidades interessadas, essas ideias poderiam ser rejeitadas, abafadas ou ignoradas. Mas, quando surgem do “outro lado”, carregadas pelo peso do antagonismo, ganham força, provocam reação e tornam-se transformadoras. A contradição, nesse sentido, é mais criadora do que a concordância.
A dinâmica observada no julgamento de Bolsonaro não é exclusiva do Brasil. Líderes como Trump, Putin, Milei e outros também exemplificam esse fenômeno. Suas palavras e ações provocam efeitos que muitas vezes beneficiam justamente o lado oposto, acelerando transformações que dificilmente surgiriam de forma linear ou consensual.
O Papel dos Líderes Controversos
Esses líderes não podem ser avaliados apenas pelas palavras ou pela postura que exibem. Seu papel é desconfortável: abrir clareiras na floresta do tempo com golpes que, embora com intenção destrutiva, acabam germinando novos caminhos. A provocação é sua arma, o escândalo, seu método.
O mundo se move nesse entrechoque de forças. Cada afronta é um espelho que revela o que estava oculto; cada líder controverso, um acelerador de mudanças. O que se apresenta como ameaça, frequentemente, é a via de acesso a uma nova possibilidade. No fundo, compreender esse movimento é aceitar que a verdade nunca chega pelo caminho mais fácil, mas pela via do inesperado, do adversário, daquele que, sem saber, conduz a humanidade à sua próxima etapa. Assim, a História é escrita menos pela intenção dos homens e mais pelo destino que se desenha a partir dos embates inevitáveis.
Por isso, não se trata de exaltar ou absolver tais figuras, mas de reconhecer que sua presença revela a tensão necessária para que a sociedade se questione. Nenhum valor deve ser imposto como verdade absoluta por qualquer extremismo. A experiência do passado mostra que, mesmo quando conduzida por personagens controversos, é nas contradições que se abre espaço para a reinvenção coletiva. O desafio é não perder a bússola ética , pois, apesar de seu papel catalisador, esses líderes não representam o ideal a ser seguido, mas sim a prova de que a humanidade só avança quando enfrenta o desconforto de rever suas próprias certezas.