COLUNA

A Lei do Abate Legal

A chamada “Gratificação Faroeste” prevê recompensas para policiais que 'neutralizarem' criminosos durante operações. Se sancionado, adicional no salário pode chegar a 150%

Imagem: Google Gemini
Imagem: Google Gemini

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou, no mês de setembro de 2025, um bônus para policiais que “neutralizarem” marginais em confronto.

Cuida-se da chamada “Gratificação Faroeste” que prevê recompensas para policiais que ‘neutralizarem’ criminosos durante operações. Se sancionado, adicional no salário pode chegar a 150%.

Se a novel legislação será sancionada, eu não sei. Faz tempo em que nossos legisladores pensam que podem colocar qualquer conteúdo em um figurino legal, para que isso configure direito válido.

O que indago, no âmbito deste pequeno espaço, é se o conteúdo da “Lei do Abate” está em harmonia com a Constituição Federal que prescreve expressamente que não haverá pena de morte (no que se inclui a proibição de haver pena de morte camuflada de permissivo legal).

É preciso dizer que nosso é que o Código Penal já preceitua excludente de antijuridicidade (dizendo que o fato não é crime) quando, em situações de confronto, à luz do caso concreto, um policial mate um criminoso em confronto. Também prevê, na mesma linha de entendimento, a legítima defesa, porque, à evidência, um policial não precisa deixar se abater pelo criminoso que lhe agride, podendo revidar e matar antes de morrer em confronto.

Política Salarial

Mas é a primeira vez que eu vejo a ousadia legislativa em fazer de outras vidas (ainda que de um criminoso) política salarial. Mais que inconstitucional, acho isso vergonhoso, especialmente pela discricionariedade que dá ao policial de “abater” para ganhar a bonificação.

É claro que esse discurso ganha de muitos o apoio popular. Sim, porque a sociedade civil anda exausta de tanta criminalidade e violência e enxerga, com bons olhos, a eliminação de muitos criminosos. A vida seria melhor sem eles.

A Problemática da Bonificação

Agora, se, na busca de bonificações, o policial “neutralizar” junto de um criminoso uma pessoa inocente, o discurso certamente muda de figura. Resta, ainda, indagar: quem é “criminoso”, ou autor da criminalidade violenta ou aquele que se coloca de terno e gravata e se ocupa de outras formas (dissimuladas” de matar)?

Estou com Nelson Rodrigues nessa aí: acho que o absurdo perdeu a modéstia. Se é para estabelecer a pena de morte, que o faça o Legislador da União, com o prévio devido processo legal e, na execução, sem dor.