Na contramão do consumo global de carne bovina, que deve aumentar em mais 76 milhões de toneladas de 2022 até 2031, o consumo per capita da proteína vem perdendo vigor desde 2007 e deverá cair mais 2% em termos mundiais nos próximos dez anos. O mesmo percentual de retração é esperado para o consumo per capita do produto no Brasil, de acordo com o relatório Perspectivas Agrícolas 2022-2031, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Ásia e Pacífico são a única região em que se projeta um aumento do consumo per capita de carne bovina nos próximos dez anos, ainda que a partir de uma base de comparação baixa, aponta a publicação. Na China, segundo maior consumidor mundial de carne bovina em termos absolutos, estima-se que o consumo per capita avance 10% até 2031, após um salto de 50% na última década. Nas Américas, a estimativa é que o consumo per capita caia 2% no Canadá, 4% nos Estados Unidos e 5% na Argentina, por exemplo, enquanto na Oceania a queda projetada é de 15% – os dois continentes se destacam pela alta preferência pela proteína bovina.
O professor Julio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), diz que a publicação da FAO e da OCDE confirma perspectivas já indicadas em outros estudos. “O consumo de carne bovina caiu nos últimos anos no mundo, principalmente porque a carne ficou com preços muito equilibrados, foi nivelada por cima”, explica Barcellos, observando que, no Brasil, o valor da proteína disparou nos últimos três anos. “Hoje, a carne bovina brasileira está muito semelhante ao que está nos Estados Unidos e em outros países que têm consumo elevado”, destaca.
Para a maioria dos países com alto consumo per capita de carne bovina, a FAO e a OCDE preveem um declínio dessa preferência em favor das carnes de aves. Segundo Barcellos, mudanças culturais, como a presença de uma população jovem, mais inclinada à busca de carnes mais econômicas e menos associadas a processos que impactam o aquecimento global, colaboram para essa migração. “O crescimento da produção vai ocorrer principalmente nos países em desenvolvimento, que ainda têm bases agropecuárias muito fortes. A partir disso, estabelece-se um superávit de carne no mundo. Isso poderá, pelos ganhos em eficiência (na produção) das aves, colocar (no mercado) uma carne de frango cada vez mais econômica”, avalia o professor.
Segundo o analista Fernando Henrique Iglesias, especialista no setor de carnes da Safras & Mercado, as projeções da FAO e da OCDE estão em linha com as expectativas da consultoria. O recuo no consumo per capita da carne vermelha, afirma Iglesias, também reflete a retração dos rebanhos bovinos em vários países, como a Argentina e os Estados Unidos. “A Austrália está num lento processo de recomposição de rebanho, tanto que os preços do boi gordo são muito proibitivos hoje, com uma arroba de 110, 115 dólares. No Brasil, a arroba está em torno de 61 dólares”, compara Iglesias.
Do ponto de vista do abastecimento global, o consultor avalia que o Brasil desponta como a melhor alternativa para os importadores de carne bovina, tanto em capacidade produtiva quanto em preços da carne. “O Brasil vai seguir muito forte (nas exportações), atendendo prioritariamente o mercado chinês, que, além de comprar grandes volumes, está pagando caro pela carne bovina, acima da média internacional”, diz Iglesias.
Fonte: Correio do Povo