Opinião

Homicídio culposo na direção de veículo automotor ou homicídio com dolo eventual no trânsito?

Nem sempre é fácil responder a esse questionamento, ou seja, distinguir, na prática, esses dois tipos penais um do outro

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)


Nem sempre é fácil responder a esse questionamento, ou seja, distinguir, na prática, esses dois tipos penais um do outro, o primeiro previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, e o segundo, no artigo 121 do Código Penal, especialmente em um quadro em que o motorista esteja conduzindo sob influência de bebida alcoólica.

O artigo 302, ‘caput’, do CTB diz que é crime “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”, delito para o qual é cominada pena de detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Já o 3º do artigo 302 do CTN dispõe que, “se agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”, a pena será de reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, por se tratar de forma qualificada.

Vejam que a pena desse crime de homicídio culposo de trânsito qualificado pela condução sob influência de álcool ou outra substância psicoativa é imensamente menor que a prevista para o homicídio doloso simples (não qualificado), que é de reclusão de 6 a 20 anos.

E a grande desinteligência decorre da dificuldade de se estabelecer a ocorrência de dolo eventual (assumir o risco do resultado) e sua similaridade com o que se convencionou chamar, no Direito, de culpa consciente, situação em que a pessoa também tem a percepção dos riscos a que está sujeito.

A diferença é que, no dolo eventual, o agente sabe da possibilidade de que ocorra o resultado e, mesmo assim, assume o risco de que aconteça; na culpa consciente, ele é capaz de prever o resultado, mas se considera capaz de evitá-lo.

O legislador já tentou, como se vê, direcionar a interpretação jurídica ao crime culposo como regra, quando estabeleceu a influência de álcool como qualificadora da conduta prevista no artigo 302 do CTB.

Mas a tentativa não deu certo e a questão ainda enseja polêmica no mundo jurídico. Então, em conclusão, o que se pode afirmar é que somente caso a caso, à vista das circunstâncias concretas, poderemos avaliar, do conjunto fático-probatório, se o homicídio no trânsito será culposo, qualificado pela influência de álcool, ou se será um homicídio doloso, com dolo eventual, conforme previsto no artigo 121, “caput”, do Código Penal.