
Olha, eu não sei porque, mas não me surpreendo com estas abissais revelações em torno das relações promíscuas entre a vida privada e vida pública. Talvez porque este tipo de situação já foi previsto e se repete incansavelmente ao longo da história.
A maior novidade deve estar exatamente no chafurdar de nossas entranhas apodrecidas.
Vou me socorrer, para este comentário, estudo feito de autoria do médico holandês Bernard de Mandeville. Retiro o extrato deste texto da obra Vícios privados, benefícios públicos. Eduardo Gianetti da Fonseca, que trata da ética na riqueza das nações – Companhia das Letras 1993. Então vamos lá:
Na fábula das abelhas; ou vícios privados, benefícios públicos, Melville, que vivia na Inglaterra, descreve uma colmeia que é a miniatura em alta definição da sociedade inglesa no século XVIII. A principal característica era a dissociação entre suas brilhantes realizações práticas e econômicas de um lado e o descontentamento ético das abelhas de outro. Em sua ingenuidade elas não enxergavam a ligação íntima entre as duas realidades. Tudo lá transcorria sem maiores abalos até que um dia viram suas preces atendidas. Um deus impaciente expulsa o vício a má fé e a hipocrisia de suas vidas. Em pouco tempo as abelhas desta colmeia se descobrem condenadas a uma existência insípida e medíocre, porém virtuosa, no interior de uma árvore oca.
Como era a vida antes desta súbita conversão: a colmeia era pujante como nenhuma outra. Embora houvesse grande desigualdade social entre as abelhas, não havia desemprego. Não obstante ao progresso, as abelhas não tinham paz e viviam se acusando e recriminando umas às outras.
A economia girava alimentada pelos vícios que moviam as abelhas como consumidoras e produtoras. Sua pujança resultava de um espetáculo pouco edificante; “milhões se esforçando arduamente com o intuito de suprir a vaidade e os apetites lascivos uns dos outros. Ao gastar seus rendimentos as abelhas se entregavam a um hedonismo insaciável. Eram escravas da volúpia, do exibicionismo e do capricho da moda.
Já na produção elas pertenciam a duas classes distintas. O grupo dos assumidos era composto por parasitas especuladores, charlatões, proxenetas e ladrões comuns, todos inimigos do trabalho correto. O outro grupo, mais numeroso, era das abelhas ostensivamente honestas, mas que, sempre que possível e sem risco de serem vistos aplicavam algum truque ou trapaça contra clientes ou fornecedores e nenhuma profissão estava livre da malícia. De médicos a jornalistas, advogados a políticos padres e ministros.
O grande sonho de cada abelha individual, não importando a classe que pertencesse era encontrar a forma mais fácil e curta para sobrepujar as demais em fama, poder e riqueza.
O problema é que as abelhas além de aproveitadoras eram míopes e não viam que o esplendor econômico de sua colmeia era baseado numa estrutura podre. Cada abelha individual se via como melhor que as demais e que estava acima de toda a desonestidade. A cada nova denúncia, a cada novo escândalo, as abelhas embarcavam numa verdadeira orgia de insultos acusações e recriminações mútuas, cada uma clamando por mais honestidade e rezando pela regeneração moral das demais.
Mas eis que então vem a intervenção divina eliminando os traços de egoísmo, oportunismo e corrupção da colmeia, tudo muda. Vem a vergonha pelo comportamento anterior, reconhecem em si todos os vícios e fraquezas. Cai a máscara da hipocrisia, cai o preço da carne, os tribunais se esvaziam , os advogados ficam sem trabalho e ministros passam a viver do próprio salário. O clero já não tem pecados a absolver. Já não há mais motivo para guerra e as abelhas perdem o interesse que as movia. Enfim, a antes pujante colmeia, passa a ter uma existência estagnada, reta e sem brilho.
Moral da história, segundo o próprio Mandeville: impossível usufruir dos mais elegantes confortos da vida e ainda assim ser abençoado com toda a virtude e inocência.