Opinião

Violência Doméstica e Familiar: homem pode ser vítima?

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

A questão da violência doméstica tem suscitado alguns equívocos e entendimentos errôneos para pessoas que não estão habituadas ao viés jurídico da expressão. Então, acho oportuno que se use esse espaço para tentar esclarecer um pouco essa temática aos não juristas, a fim de que não confundam alhos com bugalhos. Então, vamos lá.

“Violência doméstica e familiar” é todo tipo de violência que é praticada entre os membros que habitam ou se vinculam a um ambiente familiar em comum. Ela pode acontecer entre pessoas com laços de sangue (como pais e filhos), ou pessoas unidas de forma civil (como marido e esposa, companheiros e companheiras), ainda que por afinidade (por exemplo, entre genro e sogra, entre cunhados) e até por laços já desfeitos.

Então, quando o Código Penal trata dos crimes contra a pessoa, a violência doméstica aparece muito especialmente nos crimes contra a vida e contra a integridade corporal. A violência doméstica e familiar, contudo, não é sinônimo de “violência de gênero”, embora a violência doméstica, no Brasil, seja, predominantemente, suportada, por mulheres, e não obstante próprio conceito de violência doméstica e familiar tenha se consagrado no âmbito da Lei Maria da Penha.

Vejam, exemplificativamente, o que ocorre com o crime de lesão corporal dolosa: ainda que o crime seja de lesão leve, ele será qualificado (mais reprovável), se ele for praticado contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o autor do crime conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se, o agente, das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Se a lesão corporal dolosa for grave, gravíssima ou seguida de morte (lesão corporal dolosa qualificada pelo resultado, portanto), o fato de ser praticado no contexto de violência doméstica isso irá acarretar uma causa de aumento de pena, tanto faz se a vítima for homem, mulher, pois a questão de gênero é irrelevante.

Entretanto, se as lesões corporais dolosas de que tratamos antes forem praticadas em contexto de violência doméstica e familiar, e contra mulher, em razão da condição de gênero, ou seja, porque a vítima é do sexo feminino, e a agressão tenha se dado em razão disso, ou com menosprezo e discriminação à condição de mulher, aí teremos uma figura qualificada da lesão corporal, com uma reprimenda mais contundente.

E o Feminicídio? Bem, nossa Lei Penal diz que Feminicídio é uma forma qualificada do crime de homicídio, caracterizada por ser praticado contra a mulher por razões de condição do sexo feminino (Código Penal, artigo 121, inciso VI). E o próprio legislador explica o sentido do que vem a ser “em razão de sexo feminino”, porque diz que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência familiar ou com menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Portanto, só mulher pode ser vítima de feminicídio, mas nem todo assassinato de mulher configurará um feminicídio.

Quero dizer: o ato de matar uma mulher no contexto de violência doméstica ou com menosprezo ou discriminação à condição de mulher configura feminicídio. A condição de “mulher” (como critério) será o gênero que constar no assento civil. Por outro lado, matar uma mulher em decorrência de uma briga de trânsito, por exemplo, poderá configurar um homicídio qualificado, mas por outro motivo, já que, na hipótese, o delito não ocorreu, em nosso exemplo, em razão da condição feminina.