Uma discussão perturbadora

Nem tudo que leio me agrada. Não deixo, por outro lado, de ler o que não me agrada, ao menos não como pesquisadora, porque ler e se regozijar com o discurso que diz aquilo que queremos ou nos apraz ouvir é fácil demais, além de retirar nosso espírito crítico.

Então, eu leio, nem se for para debater com o autor, criticá-lo, ou para acender uma luzinha lá dentro da mente, instigando-nos à reflexão, no sentido de pensarmos se e em que medida o autor pode ter alguma razão. Isso nos faz dialogar, ainda que conosco mesmos.

Por vezes, nos deparamos com obras perturbadoras, isso é verdade. Uma dessas obras é de Bertrand Russell, denominada “Por que não sou Cristão”, um dos mais blasfemados documentos filosóficos já escritos, porque é uma obra que coloca o leitor perante questões que nunca mais poderão ser ignoradas, pois perturbadoras, quanto o mais para espíritos inquietos.

Isso porque, se o Cristianismo nos fornece respostas para perguntas que atormentam a nossa vida adulta da humanidade (como: “Por que estamos aqui?”, “Qual é a razão da vida?”, “Como devemos agir?”, “O que há além da vida terrena?”), Russel, apesar de bem humorado, acaba com esse conforto, elevando a perturbação de modo exponencial, sublinhando nossa própria responsabilidade, nossa autonomia e consciência do que fazemos.

Eu sou cristã. Valorizo a moral cristã, porque não a vejo, como disse Nietsche, como uma moral dos fracos, de rebanho, castradora. Ao contrário, vejo-a como uma moral do bem, socrática, própria de seres humanos que se reconhecem como iguais e interiorizam essa igualdade, para os fins de tratar o próximo da mesma forma com que gostariam que fossem tratados.

Mas os não-cristãos também merecem o meu respeito, porque eles não são excluídos da ideia de igualdade, não obstante professem outra fé. Isso não implica comungar com qualquer maldade ou egoísmo que despeite a humanidade dos outros. Porém, pessoalmente, pensando na finitude da vida – um fato, e contra fatos não há argumentos -, acho que a vida é completamente sem sentido sem alguma transcendência. Acredito vivamente num princípio criador (Deus, para os cristãos, embora, talvez, não tão estereotipado), porque o nada, nada produz. Do nada, nada vem. O nada, nada produz.

Então, o quê, da obra de Russel, gostei? No aspecto em que ele ressalta a própria responsabilidade, nossa autonomia e consciência do que fazemos, porque estamos demasiados deterministas, andando no mundo à base do “Se Deus quiser”, cada um sem muito compromisso com a parte que nos toca.