Bento Gonçalves

Sindiserp denuncia que reajustes salariais na pandemia são considerados ilegais

Lei de enfrentamento à Covid-19 impõe restrições à concessão de benefícios. Sindicato dos servidores de Bento Gonçalves não conhecia projetos para funcionalismo

Documento comprova que Sindiserp desconhecia projeto que reajusta salários do funcionalismo
Documento comprova que Sindiserp desconhecia projeto que reajusta salários do funcionalismo

Rogério Costa Arantes / Repórter Especial

Mal recebida por grande parte dos eleitores de Bento Gonçalves, que se manifestaram pelas redes sociais desde que se tornou pública na sessão da Câmara de Vereadores realizada na segunda-feira, dia 7 de dezembro, a notícia de que os vereadores devem votar um projeto que reajusta em 3,14% os próprios salários, deve resultar em consequências judiciais, caso a intenção dos vereadores seja aprovada na sessão legislativa da próxima segunda-feira, 14. Há entendimentos de que a concessão de reajustes pode ser, além de impopular, contra a legislação. Nesta quarta-feira, dia 9, o Sindicado dos Servidores Públicos de Bento Gonçalves (Sindiserp) protocolou oficio na Câmara contra o reajuste dos vereadores.

Documento comprova que Sindiserp desconhecia projeto que reajusta salários do funcionalismo

Apesar de encontrar amparo legal na legislação municipal, o projeto de lei ordinária 107, de autoria da Mesa Diretora do Legislativo local e que reajusta o subsídio dos vereadores, pode incorrer em irregularidades de acordo com a Lei Complementar número 173, de 27 de maio de 2020, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus. Dentro deste entendimento, os projetos que pretendem reajustar os salários dos servidores municipais, o PLO 105, que concede reajuste aos professores e servidores do município, e o PLO 106, que corrige o salários dos servidores do Legislativo, que também devem ser apreciados em plenário na sessão da próxima segunda-feira, incorrem na mesma ilegalidade: a impossibilidade de conceder reajustes em épocas de pandemia.

Essa é a interpretação que o artigo 8º da legislação sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro faz do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No inciso I do artigo 8º, a LC173 diz que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública.

De acordo com o promotor de Justiça Alécio Nogueira, a situação deve ser objeto de análise do Ministério Público, mas, como se trata de envolvimento com relação à constitucionalidade da legislação, pode envolver o encaminhamento da investigação à Procuradoria-Geral de Justiça, em Porto Alegre. Segundo Nogueira, o MP local deve encaminhar questionamentos à Câmara e à prefeitura para que expliquem os motivos e amparos legais para a proposição dos reajustes, que deverão ser remetidos ao procurador Fabiano Dallazen, da PGJ, por questões regimentais. Nogueira afirmou que só depois disso, e da aprovação ou não dos projetos, é que ele analisará a procedência da investigação.

O que chama ainda mais a atenção neste caso é que o sindicato que representa os servidores municipais de Bento Gonçalves não sabia da intenção da existência de projetos propondo reajustes salariais ao funcionalismo. De acordo com a presidente do Sindiserp, Neilene Lunelli, não houve qualquer comunicação. Inclusive, na tarde desta quarta-feira, 9, o sindicato protocolou na Câmara de Vereadores um ofício em repúdio ao projeto que reajusta o subsídio dos vereadores exatamente pelo entendimento que faz a LC173. “Protocolamos nosso descontentamento porque a lei 173 proíbe reajustes até o final do ano que vem”, afirmou a presidente.

Neilene Lunelli teme que os vereadores acabem criando um ambiente de repúdio ao funcionalismo por conta deste projeto de reajuste. Como presidente do sindicato, ela afirma que fica numa posição delicada, pois não pode ser contrária à mehoria salarial dos servidores, mas reforça que o caso não é este. O texto do ofício do sindicato comprova que a entidade representativa não tinha conhecimento dos projetos que pretendem reajustar também os salários dos servidores. A hipótese mais provável é que, para conceder o reajuste aos próprios salários, os vereadores protocolaram as correções também aos salários dos servidores porque, de acordo com a lei que fixa os subsídios dos agentes públicos, a única maneira de viabilizar o reajuste para os políticos é que ele seja dado também ao funcionalismo. No caso do projeto de lei 105, apenas o reajuste é diferente, de 1,68%, porque os salários dos servidores foram corrigidos no início do ano, antes do decreto emergencial de pandemia.

No entendimento do presidente da Casa, Rafael Pasqualotto (PP), o parecer jurídico da Câmara se apega ao inciso VIII do artigo 8º, que fala na proibição de adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Com esse entendimento, a medida em que o índice para o  reajuste é o IPCA, estaria confirmada a legalidade. O parecer não faz menção sobre como esse entendimento ultrapassaria o que define o primeiro inciso do mesmo artigo. O presidente ainda acredita que um parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que analisa casos semelhantes, estabelece que quando a lei federal impede a concessão de reajuste, esse entendimento deveria indicar um aumento real, e não apenas a revisão inflacionária. Ainda assim, o artigo da legislação municipal 6.626, de 2016, que daria amparo legal ao reajuste diz que “os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, de que tratam os artigos 2°, 3° e 4° desta Lei, serão reajustados, por meio de lei específica, na mesma data e no mesmo índice em que for procedida a revisão geral da remuneração dos servidores do Município, de que trata o inciso X, do artigo 37, da Constituição Federal.