Você gosta de rir? Acredito que sim, porque rir é uma coisa que nos alivia e ajuda a aguentar as partes pesadas da vida. Humor e música são coisas que me deixam aliviada. Ou irritada.
Continuando com a analogia, uma música ruim ou chiclete, num volume inadequado (seja muito baixo ou muito alto) ou com letras ofensivas, pode angustiar ao invés de acalmar ou dar prazer.
A piada tem o mesmo efeito. Talvez seja uma piada como o sertanejo, tem quem goste, mesmo que eu não. Pode ser a do tio do pavê, que a gente não aguenta mais vê nem comê. Tem as bem ingênuas e quase sem gracinha, mas que a gente ri porque é como uma música de elevador.
Tem aquelas que fazem a gente pensar e que às vezes demoramos pra entender, ou nem conseguimos, o que para alguns desvirtua a função da piada, de relaxar e divertir, mas que para os humoristas é a verdadeira função: Mudar o mundo (pra melhor) através do humor.
E daí temos o submundo do humor, cheio de contadores e requentadores de piada, gente tentando ser engraçada humilhando, ameaçando e destilando ódio.
Antigamente se dizia: quer aparecer, pendura uma melancia no pescoço e anda na rua. A versão atualizada da melancia no pescoço é o discurso de ódio dos monetizadores. A agressão na internet, quanto mais polêmica, absurda e feroz, mais viraliza.
Dia desses um cara que nunca tinha ouvido falar, foi condenado à prisão pelas piadas que fez num show no youtube. Parece exagerado, pensei. Vão prender ladrões e conspiradores, não humoristas. E antes de entrar numa treta sem saber do que estava falando, fui espiar o dito artista.
Depois de ouvir alguns pedaços do “show” de humor, fiquei triste porque não consegui rir de nada. Não só pelo ódio e absurdos que o cara falou, mas porque não era nada engraçado, só ódio gratuito.
Não me entenda mal, eu sou uma fã do humor ácido, aquele meio politicamente incorreto, mas que também faz a gente pensar, como a ironia. Adoro humor irreverente e desafiador.
Algumas figuras que admiro fizeram piadas hoje consideradas politicamente incorretas, como o Millôr Fernandes dizendo que “O melhor movimento feminino ainda é o dos quadris.” e o Fernando Sabino alertando que “Não confio em produto local. Sempre que viajo levo meu uísque e minha mulher.” Objetificação e desmerecimento de um ego masculino inflado que representava uma época.
Muitas das piadas que ouvi na vida e até repeti não me fazem rir mais. Mas isso porque o mundo, você, eu, mudamos. Sem mimimi ou metralhadora giratória de ofensas, o que precisamos aprender é a rir sem ofender quem não fez nada ou não pode se defender. O limite no humor é o limite da consequência, para os de esquerda ou de direita. Sim, estou falando com vocês, defensores do piadista condenado.
Apesar de achar que o amor é melhor que o ódio, concordo que toda piada tem um fundo de maldade ou ironia, ou de sacanagem. Posso rir de alguém caindo sem se machucar, o que não é empático, mas bem diferente do que ir até lá e derrubar alguém pra rir. Mesmo que a pessoa não se machuque, é a linha que se cruza quando a piada é feita apenas para ofender e ganhar likes.
Me espanta mais ainda quem acha engraçado o incentivo gratuito ao feminicídio e pedofilia, entre outros, desse humorista do ódio. E sim, sou a favor da liberdade de expressão, desde que ela não tente matar ou acabar com alguém. A convivência social, seja no campo de futebol, no palco ou na internet, não pode ser essa terra de ninguém, onde podemos dizer mentiras, ofensas gratuitas e não ter nenhuma consequência.
Não sou a favor da prisão dele por esse motivo, mas sou a favor de uma punição, algo didático e que faça ele perceber que o problema dele é, além do discurso, a falta de texto e talento.
Oscar Wilde disse que “A vida é muito importante para ser levada a sério” e por isso prefiro a piada do tio do pavê do que a do comediante de piadas ruins caçador de likes a qualquer custo. Meu lado curioso me faz pensar se, com a condenação, ele ainda vai querer contar a piada do sabonete que cai no chão no chuveiro da prisão.