
Mesmo com um inquérito civil em andamento desde fevereiro que apura eventuais irregularidades acerca dos contratos firmados entre o município de Bento Gonçalves e a empresa APL Apoio Logístico, a prefeitura renovou em novembro o contrato com a empresa para a prestação de serviços terceirizados para diversas secretarias da administração pública. O novo contrato, publicado no Diário Oficial do município esta semana, indica um valor estimado em R$ 52.895.941,44 para a prestação do serviço em três lotes distintos. Depois de diversas prorrogações e aumentos de valor durante a vigência do contrato anterior, e ainda que o inquérito esteja em andamento e apure indícios de irregularidades em contratações milionárias da prefeitura celebradas sem licitação, a empresa foi contratada agora através de processo licitatório regular.
O inquérito civil, instaurado na Justiça Cível de Bento Gonçalves sob o número 00723.000.221/2021, depois que uma denúncia anônima indicou fortes suspeitas com relação à legalidade da primeira contratação da empresa, realizada sem licitação em 2020, e após uma reportagem do Leouve revelar inconsistências e coincidências envolvendo as contratações, investiga as condições em que foram celebrados os contratos milionários da prefeitura de Bento no ano passado, desde os processos de dispensa de licitação até os aditamentos contratuais realizados ao longo de 2020, último ano do governo de Guilherme Pasin, e nos primeiros meses deste ano, já sob a atual administração municipal.
A reportagem procurou o atual e o ex-prefeito para que manifestassem suas posições que podem ser lidas na íntegra ao final do texto. Enquanto a prefeitura elencou os passos que levaram à nova contratação, Pasin preferiu atacar a reportagem.
O que apura a investigação
O MP segue investigando os contratos celebrados com a APL e também com a MedSaúde, ligada à oferta de mão-de-obra especializada para a área da saúde. Desde o ano passado, os contratos com as duas empresas superam os R$ 60 milhões.
As duas empresas foram contratadas inicialmente entre abril e junho do ano passado, ainda durante o governo de Pasin, que chegou a acumular a titularidade da secretaria de Saúde nos últimos seis meses de seu governo, e prestam serviços até hoje. O MP passou a investigar as contratações por algumas peculiaridades envolvendo as duas empresas, como suspensão e posterior inexigibilidade de licitação, não contratação da melhor proposta, suspeitas de superfaturamento e ligações não explicadas entre as empresas.
A investigação logo revelou similaridades com outras denúncias investigadas no Rio Grande do Sul desde o ano passado, e o MP local investiga a existência de indícios de ligações das empresas com um grupo econômico envolvido na Operação Camilo, deflagrada em maio do ano passado para apurar denúncias de corrupção ativa e passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro, fraude a licitação e estelionato, que indiciou políticos, agentes públicos e empresários pelo desvio de pelo menos R$ 15 milhões dos cofres públicos em contratos na área da saúde do município de Rio Pardo e ocasionou a prisão de 15 suspeitos. O elo entre a APL e o grupo que, segundo a investigação estadual, usaria laranjas para garantir a aplicação dos golpes, seria Fernando De La Rue, sócio da APL e representante legal também da MedSaúde nas contratações com a prefeitura de Bento.
O MP ainda aguarda o resultado de diversas diligências para apurar o caso, e deve ouvir os procuradores da APL em audiência marcada para o dia 9 de dezembro. Nogueira pretende ainda identificar um elo entre a APL e os indiciados na operação estadual, que surgiu a partir de manifestação desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), e o que podem representar para o inquérito civil do MP de Bento Gonçalves. Conforme o desembargador, o sócio da empresa teria sido citado em ligações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal em referências ao pagamento de propina a agentes públicos.
Entenda o caso
A contratação da APL, que substituiu a CCS no fornecimento de mão de obra para o município, está cercada de detalhes que chamam atenção. Um deles é que, assim como a maior parte dos contratos firmados para atender o combate à pandemia da Covid-19, também dispensou a licitação para ser celebrado. O contrato, firmado em junho de 2020, pode ser celebrado com dispensa da licitação porque o Tribunal de Justiça do estado (TJRS) suspendeu em maio daquele ano o processo licitatório por divergências no edital.
Como a contratação da CCS se encerrava em junho e não havia interesse da prefeitura em renovar o compromisso após meses de impasse entre a prefeitura, a empresa, os servidores terceirizados e o sindicato da categoria, devido aos problemas de inadimplência da empresa com os contratados, não haveria tempo hábil para corrigir o processo licitatório, a contratação não seguiu os ritos legais pelo caráter emergencial da manutenção dos serviços prestados.
O que intriga o MP é que a APL não foi a empresa que apresentou a melhor proposta. A prefeitura chegou a publicar a autorização para a contratação emergencial da empresa GFG Recursos Humanos por 180 dias, mas a empresa não começou a prestar os serviços. Em vez disso, a prefeitura contratou a APL, dona da segunda melhor proposta. Além disso, a verificação de que o sócio-proprietário da APL atuou como procurador da MedSaúde no contrato com a prefeitura de Bento é outra questão que, segundo o MP, está sendo apurada.
A resposta de Guilherme Pasin
Em atenção ao contraponto solicitado, o Ex Prefeito do Município Guilherme Pasin esclarece ao público leitor que:
[a] a matéria é “requentada”, isto é, não passa de série de repetição de publicações da mesma empresa de comunicação ocorrida notadamente após a proposição da ação indenizatória contra o Portal Leouve, que tramita sob o nº 5002627-80.2021.8.21.0005, perante o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves;
[b] não sou investigado no Inquérito Civil n° 00723.000.221/2021;
[c] não sou investigado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul;
[c] não sou investigado na Operação Camilo, a qual não tem nada em comum com o Inquérito Civil n° 00723.000.221/2021;
[d] o assunto relacionado ao motivo da não contratação da empresa GFG Recursos Humanos, amparado em diligência interna da Unidade Central de Controle Interno do Município, já foi apreciado e arquivado pelo Ministério Público em 05/06/2020;
[e] a matéria, mais uma vez, procura maldosamente e mentirosamente me associar a uma operação criminal desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, à prática de atos ímprobos e criminosos, como integrante de organização criminosa responsável por diversos crimes;
[f] lamentavelmente, a notícia divulgada não passa corretamente as informações, descumprindo o dever de comunicar a verdade, caindo na vale comum do sensacionalismo, tudo no afã de atacar a minha imagem, reputação e a honra;
[g] por fim, quanto aos contratos administrativos citados na reportagem, foram considerados lícitos e regulares pelos órgãos de controle externo até o presente momento, não havendo qualquer pedido de medida administrativa ou judicial contra eles.
A posição da prefeitura
Seguem esclarecimentos do Secretário de Administração, Matheus Barbosa sobre a terceirizada APL.
O Contrato de Prestação de Serviços n°94/2020 foi prorrogado pelas seguintes razões:
Em um primeiro momento, o Pregão Presencial 06/2021 (iniciado em janeiro de 2021) precisou ser revogado para adequações referentes à divisão de cargos por lote, que foi uma solicitação do TCE/RS para possibilitar mais concorrência no certame, o que foi sugestão aceita pelo Município, vez que é interesse do Município também a maior participação de empresas, o que reduz custos nas licitações.
Posteriormente a isso foi lançado um novo Pregão Presencial, de número 70/2021 (iniciado em maio de 2021), que em virtude de impugnação de empresa junto ao TCE, em relação a índices contábeis utilizados pelo Município para medir a saúde financeira das empresas que eventualmente disputariam os lances, também foi revogado. Naquela ocasião o TCE entendeu que os índices utilizados estariam muito rigorosos para a participação das empresas. Posteriormente o mesmo TCE, em relação ao Edital seguinte (122/2021), mudou a posição e entendeu que o exigido pelo Município está correto e visa preservar o Município de prejuízos financeiros. O Pregão Presencial 70/2021 contou com a participação de 11 empresas, com amplas disputas de preços, até o momento em que restou revogado.
Ato contínuo foi lançado o Pregão 122/2021 (iniciado em julho 2021), que teve abertura dia 07/10 e teve a participação de 7 empresas, que também fizeram ampla disputa de lances.
De frisar que todos os editais tiveram como parâmetro os editais do Tribunal Regional Federal, TCE/RS e Ministério Público RS, inclusive quanto a exigências qualificadoras das empresas e técnicas.
A administração municipal, através de suas Secretarias, tem realizado um grande esforço para que as licitações tenham êxito, entretanto a judicialização dos procedimentos por parte de empresas interessadas, que sempre buscam impugnar o andamento de alguma forma, dificultou o término com êxito, motivo também pelo qual se prolongou o contrato emergencial firmado em 2020, conforme relatado acima.
Os novos contratos firmados, oriundos do Pregão Presencial 122/2021, que agora teve êxito, terão início de serviços no dia 01/12/2021. O contrato emergencial encerra-se em 30/11/2021. Os novos contratos foram firmados com as empresas IDEC Saúde Ltda e APL Apoio Logístico Eireli, que após lances e recursos, tudo devidamente documentado no processo licitatório, restaram vencedoras dos lotes do certame.
Todos os editais acima mencionados e seus documentos podem ser acessados pelo site do LICITACON, pela pesquisa dos números acima informados.
Por fim, frisa-se que o Município fiscaliza rigorosamente a prestação dos serviços terceirizados por todas as empresas que possuem contrato com o Município, através de cada Secretaria, com o apoio da Unidade Central de Controle Interno e não é conivente com nenhum tipo de irregularidade. Além do mais, todos os editais foram elaborados com acompanhamento constante do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público Estadual.