Bento Gonçalves

Prefeito de Bento Gonçalves sanciona lei que torna COMPAHC órgão apenas consultivo

Governo do RS e prefeitos da Serra Gaúcha participam de reunião, em Bento Gonçalves
Governo do RS e prefeitos da Serra Gaúcha participam de reunião, em Bento Gonçalves

O polêmico Projeto de Lei 44/2022 foi enfim sancionado pelo prefeito de Bento Gonçalves. No dia 11 de maio, através do Diário Oficial foi publicada a Lei 6842/2022. Esta altera dispositivos da Lei Municipal nº 4.445/2008, que dispõe sobre o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural. Ou seja, a partir da aprovação, o COMPAHC passa a ter papel consultivo, e não mais deliberativo ante a projetos de obras e reformas em edificações de importância histórica e cultural na Capital da Uva e do Vinho.

O que diz o autor do Projeto de Lei

Ao criar o Projeto de Lei 44/2022, Anderson Zanella classificou ações do COMPAHC como “arbitrárias” e, que, “por birra trava o desenvolvimento de Bento Gonçalves”. A busca pela mudança do voto foi protocolada após o conselho vetar a construção de megaempreendimentos na região do Vale do Vinhedos em Bento Gonçalves. Lá, pelo menos dois resorts que seriam erguidos tiveram um posicionamento contrário por parte do COMPAHC e, por isso, até o presente momento, são apenas planos que estão no papel.

Na tribuna no dia 11 de abril, Zanella criticou a demora do conselho para entrega da ata das reuniões. Ele cita que um encontro ocorreu no dia 31 de março e, até o momento que falou frente aos outros parlamentares, o documento não havia sido entregue. Outro ponto, mas ainda sobre a ata, foi em relação a quem estava redigindo a mesma. Conforme o vereador, um membro da OAB escreveria o oficio, porém, este não fazia parte do conselho e, por isso, não teria obrigação para com a entrega do mesmo.

“A última reunião do COMPAHC foi dia 31 de março. Hoje é dia 11 de abril. Sequer a ata… sequer a ata da última reunião do dia 31, até hoje, 15h00 da tarde, estava no órgão competente para a deliberação do que lá foi decidido. Olhem bem, 31 de março hoje e 11 de abril. Sequer a ata da reunião está no órgão competente, travando os processos, travando o desenvolvimento desse município. Sendo deliberativo, sem essa ata, nada pode acontecer.” 

O que diz o COMPAHC 

Após o prefeito Diogo Siqueira sancionar a Lei e tornar o órgão apenas consultivo, a equipe de reportagem procurou a presidente do COMPAHC, a arquiteta Marilei Elisabete Piana Giordani. Ela defendeu que o conselho é composto por 20 assentos, sendo dez governamentais (secretarias municipais) e dez são não-governamentais (associações, cic, etc). Existe uma paridade entre o poder público e a comunidade. A criação dos conselhos, conforme Marilei, são baseados no que consta na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade do ano de 2001. Desta forma, a população teria voz nas decisões e não apenas os políticos.

A presidente do COMPAHC cita as recomendações do Ministério Público e do assessor jurídico da Câmara. Eles encaminharam documentos demonstrando contrariedade e, mesmo assim, os vereadores e o prefeito desacordaram e mantiveram o Projeto de Lei 44/2022. De acordo com ela, os vereadores não conhecem o Plano Diretor.

O Ministério Público recomenda que não e eles [vereadores] dizem que sim. O próprio judiciário, a consultoria jurídica da Câmara diz que não e os vereadores dizem que sim, como assim? Nós vivemos em sociedade. Temos regras para viver em sociedade. E nós, enquanto comunidade, enquanto Bento Gonçalves, a nossa regra é o Plano Diretor. Essa decisão deles também vai contra o Plano Diretor. Sendo que o COMPAHC deve obrigatoriamente se basear no Plano Diretor. É isso que o COMPAHC faz.” informou

Ainda, a arquiteta relembrou que o COMPAHC é um órgão de proteção do patrimônio e, essa proteção não significa “atravancar” o progresso.

Cinco Vereadores votaram contra o Projeto de Lei 44/2022

Na votação, ocorrida na casa no dia 02 de maio, cinco dos 17 vereadores de Bento Gonçalves posicionaram-se contrários a aprovação do Projeto de Lei 44/2022. Os parlamentares Agostinho Petroli, Eduardo Pompermayer (Duda), José Antônio Gava, Paulo Roberto Cavalli (Paco) e Rafael Fantin (Dentinho).

A equipe de reportagem procurou o vereador Rafael Fantin, o Dentinho, para saber a razão pela qual ele posicionou-se de forma contrária. Segundo ele, “Entendemos que a retirada do poder deliberativo do COMPAHC é um retrocesso em relação à legislação nacional para a preservação do patrimônio histórico. Além disso, aqui em Bento temos algumas particularidades que nos levaram a votar contra a medida. Entendemos que o projeto apresentado pelo vereador tem vício de iniciativa e, portanto, pode ser declarado inconstitucional, e vislumbramos que esse projeto esconde uma intenção de enfraquecer outros conselhos deliberativos na cidade, como o Complan e os conselhos distritais, o que na prática vai representar o enfraquecimento do controle social nas decisões do Executivo. Isso vai na contramão do que acreditamos, que uma administração pública deve ser o mais participativa e transparente possível. Portanto, consideramos que isso é inaceitável.

Ministério Público e até o procurador jurídico da Câmara apresentaram recomendações contrárias ao projeto

Desde o início, entidades ligadas ao turismo de Bento Gonçalves, bem como o Ministério Público e a assessoria jurídica da própria Câmara de Vereadores apresentaram documentos pedindo e/ou aconselhando a não aprovação do projeto.

Em abril, conforme reportado pelo Portal Leouve, um documento de orientação técnico-jurídica com a assinatura de Jaime Zandonai, procurador jurídico na Câmara de Vereadores apresentou pontos contrários ao avanço do Projeto de Lei 44/2022. Conforme o ofício, a Casa Legislativa poderia estar indo contra a harmonia entre os poderes executivo e legislativo. Ainda de acordo com a recomendação de Zandonai, houve alerta de que o Poder Legislativo não tem legitimidade para dispor sobre matéria que se insira na esfera administrativa do Poder Executivo, sob pena de caracterizar “vício de origem”.

“(…)parte-se do princípio de que a independência entre os poderes pressupõe ingerência nos assuntos internos de um Poder pelo outro, inferindo, portanto, ilegítima a iniciativa do Legislativo para a autoria do projeto de lei ora em exame, fato que obsta as demais análises, concluindo-se pela inviabilidade técnica do Projeto de Lei ora em análise, tendo em vista o “vício de iniciativa” da proposição, e, a tentativa de atribuir funções de um Poder sobre outro, ofendendo, portanto, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes”.

Quem também orientou que o processo não fosse aprovado foi o Ministério Público através da promotora Carmen Lúcia. Ao longo do documento, é citada a Constituição Federal, a importância da contribuição da sociedade, a Lei municipal n.º 4.445/2008 que instituiu o COMPAHC, e também fala no princípio de proibição do retrocesso. Ao apresentar os pontos, a promotora finaliza o ofício informando que “RECOMENDO ao Chefe do Poder Legislativo de Bento Gonçalves a desaprovação do projeto de lei n.º 44/2022 e de quaisquer outras propostas de alterações legislativas, que impliquem supressão ou restrição à participação popular, por meio do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, na tomada de decisões afetas à defesa do patrimônio histórico e cultural, sob pena de inconstitucionalidade”.