Falei sobre isso no meu último comentário no Jornal da Manhã da Rádio Jovem Pan da Serra e quero reforçar essa reflexão aqui neste espaço: Por quem os sinos dobram?
Comecei essa coluna com o título de um romance de 1940 do escritor norte-americano Ernest Hemingway, considerado pela crítica como uma das suas melhores obras. O livro narra a história de Robert Jordan, um jovem norte-americano das Brigadas Internacionais que se liga à causa da legalidade, tendo como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola.
Por ora, quero me fixar no título da obra, porque foi a indagação que me veio à mente quando ouvi que o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em decisão relâmpago, uma minirreforma eleitoral. O que ela implica e o que ela contém?
De forma resumida, ela propõe perdoar ou anistiar os partidos políticos das multas pesadas que lhes foram aplicadas em razão de terem respeitado a lei eleitoral quanto à reserva de quotas obrigatórias para mulheres e negros.
Ela também propõe uma verdadeira fraude à cota de candidaturas femininas, veiculando proposta que define os critérios de aferição dos percentuais das cotas, em nível nacional, ficando a cargo dos partidos políticos efetuar os repasses às candidaturas pelo órgão nacional ou pelos órgãos regionais.
Mas não é só: há ainda outros objetivos em “jogo”, dentre eles aquele que diz respeito ao cálculo das “sobras” da eleição proporcional (para deputados federais, estaduais e vereadores); também responsabiliza por possíveis irregularidades o órgão que realizar o repasse final às candidaturas.
Para além disso, a minirreforma altera a questão da Inelegibilidade: a proposta muda o prazo da contagem dos oito anos de inelegibilidade e passa a contar a partir do último pleito, o que pode diminuir o prazo para tornar um político apto a participar da disputa. Hoje, o prazo inicia após o cumprimento da pena. E, para que ela possa valer nas eleições municipais de 2024, a minirreforma eleitoral precisa virar lei antes de 6 de outubro deste ano, um ano antes do pleito.
Eu me questiono: a serviço de quem está essa minirreforma? Do povo brasileiro, seguro, é que não é. Não há nenhum elemento que permita afirmar que ela esteja a serviço do bem-comum ou bem-estar das pessoas que vivem ou transitam pelo nosso país.
Ela só interessa aos partidos políticos, de modo que eu a reputo uma vergonha, um desserviço para a Democracia, algo que só contribui para a sua desmoralização. Esses sinos, parafraseando Ernest Hemingway, não dobram nós, e aposto que há muitos que, como eu, se perguntam: no que o Parlamento transformou a Democracia, essencialmente ligada ao direito à igualdade de voto, ao debate contundente de ideias antinômica, representatividade, com a finalidade de melhorar a vida das pessoas – de todas as pessoas?
Esse acordo de “comadres”, a “PEC da Boiada” (como a estão chamando nos meios de comunicação”) é um acinte a qualquer compreensão razoável para o fundamento e a finalidade da democracia. Que vergonha e que nojo. Eu já a achava infame, lamentando que o façam com a nossa chancela, pelo voto. Mas, como constitucionalista, também sinto que é assustador como uma reforma desse jaez, que interessa e beneficia essencialmente e tão só os partidos políticos (eles se digladiam em outros temas, mas se unem em torno daqueles que beneficiam a todos), tramite tão rapidamente, em detrimento de outras pautas muito mais relevantes e necessárias para o povo brasileiro, e sem debate, ou seja, com baixíssimo procedimento democrático.
Sim, pois, por conta do prazo curto, a discussão sobre o projeto da minirreforma eleitoral, na Câmara, foi feita de maneira apressada, açodada, inclusive com emendas acrescentadas durante a própria votação em plenário, tudo a reforçar a minha compreensão de que esses sinos não se dobram por nós, lamentavelmente.
E se eles não dobram por nós, quem se dobrará? Nas mãos de quem estamos?