Em tempos em que se fala tanto de liberdade, igualdade e fraternidade, quero falar um pouco com vocês sobre o queridinho da Revolução Francesa, Jean Jacques Rousseau (1712-1778), cujo pensamento influenciou sobremaneira os revolucionários.
Eu sempre pensei que ele era francês, acreditam? Só o caminho do estudo nos leva a superar essas desinteligências. Rousseau era genebrino. Nasceu em Genebra – Suíça. É curioso que tenha se enveredado para o caminho da Filosofia Política, porque se destacava na música. A mãe morreu, quando Rousseau era ainda pequeno, ocasião em que o pai deu o menino para ser criado por uma Senhora que o encaminhou no mundo do saber.
Ele foi o último teórico do contratualismo, isso é, da ideia de que a sociedade civil (o Estado) nasce de um Contrato Social, ou seja, de um acordo realizado entre os homens. Interessante, contudo, é saber o porquê. Isso esse explica bem na obra “Origem da Desigualdade entre os Homens”.
Rousseau compreendia que o homem, em seu estado de natureza (fora do Estado), em clara oposição à Thomas Hobbes, não era o “Lobo do Homem”. Não. Ele era bom, puro e não tinha praticamente qualquer necessidade, porque não tinha conhecimento do que era bom ou ruim, do que era agir corretamente ou incorrer em erro. Não tinha necessidades muito diferentes das de qualquer outro animal. O que corrompeu o homem e deu origem a desigualdades, produzindo a guerra de todos contra todos foi a propriedade privada, origem dos conflitos sociais.
Então, esse mesmo Rousseau – que teve oito filhos e encaminhou todos à adoção – defendeu que o Estado nasceu de um ajuste entre os homens justamente para pôr fim nesses conflitos, garantir a liberdade e a segurança. Os homens renunciam toda sua liberdade natural em prol do Estado, para só nele podem encontrar a paz e a segurança.
E o regime de governo que ele concebeu para esse Estado era a Democracia. Isso porque, quando os homens renunciam à suas liberdades individuais, eles não a renunciam para um único homem, mas para um centro de poder, um “Corpo Social” do qual eles mesmos fazem parte, por meio de um Parlamento (o Poder Legislativo), porque prega um governo de leis (e não de homens), que serão elaboradas por esse “Corpo Social”, segundo um princípio democrático (a regra da maioria).
Desse modo, os homens serão, ao mesmo tempo, autores e destinatários das normas que devem reger uma sociedade civil, segundo as quais, todos devem viver, as maiorias e as minorias também, pois, se a lei foi elaborada, segundo o procedimento previsto em lei (a Constituição), a maioria não se engana quanto ao que é melhor para uma sociedade. Logo, ninguém pode se opor ao seu cumprimento e isso nem seria lógico, pois são normas que o homem deu a si próprio. Mas Rousseau advertiu a Ala Socialista, para que não se enganasse: “Quanto maior o Estado, menor a liberdade”.
Rousseau claramente centra sua ideia de democracia no Legislativo e faz do princípio majoritário a expressão da “vontade geral”. Ocorre que o Contratualista, tão preocupado com a desigualdade, acaba desenvolvendo a fórmula perfeita para ela se concretizar: a igualdade formal, perante a lei, aquela que segue uma progressão aritmética (1×1), que não conhece qualquer proporcionalidade, que ignora a desigualdade das pessoas e o dever de tratamento desigual aos desiguais, pensamento que se afasta da ideia de justiça substancial: para ele, a lei é válida porque é lei, porque tem forma de lei, e não porque é justa em seu conteúdo, característico de um modelo dominador ou totalitário.
Para além dessas minhas considerações, o modelo rousseauniano encontraria, na atualidade, um entrave quase que intransponível: o Supremo Tribunal Federal, ou seja, contrariando roda a ideia de supremacia do Parlamento, pela sua fundamentação democrática e expressão da “vontade geral”, enfrentaria um deslocamento inusitado do centro do poder para o Poder Judiciário nomeadamente, pelo seu Órgão de Cúpula.
Claro que Rousseau não desconheceu a necessidade de um Poder que pudesse fazer as correções da imperfeição das leis. Mas ele jamais pensou ou admitira, pela sua concepção de Democracia, que um Poder que não o Legislativo pudesse criar a lei. Cito, aqui, por exemplo, apenas duas decisões do STF: a que criminalizou, sem lei, a homofobia, e a que afirmou que o aborto, até o terceiro mês de gestação, não é crime (uma criminalizando; outra, descriminalizado conduta).
É verdade que a Democracia não tem apenas um significado, uma dimensão, uma forma de se expressar, ou seja, ela não se resume ao princípio majoritário, podendo, ainda, significar liberdade (em suas várias formas de ser) e justiça e, assim, de alguma maneira, estar inserida na função de julgar, ou seja, no âmbito das tarefas de um Poder da República que tenha a função precípua de realizar a justiça. A legitimidade democrática lhe teria sido dada pela própria Constituição democrática que conferiu ao Poder Judiciário essa tarefa.
Tudo isso é agravado pela desconfiança que se tem no STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário, cujos integrantes não são eleitos e o acedem por critérios políticos não raro pouco escrupulosos, pois o escolhido quase sempre é simpatizante, senão comprometido com a ideologia de quem o indicou, deslegitimando a função de dizer o Direito, pois a razão da escolha foi replicar a vontade do Poder que o indicou.
Lado outro, se olharmos para a Democracia conforme ela é praticada nos nosso tempo, talvez cheguemos ao desespero, porque aquela ideia rousseauniana do Parlamento como expressão da “vontade geral”, se alguma vez existiu, ela desapareceu. Nada mais existe de “vontade geral”, a imensa maioria dos eleitos, tão logo eleitos, esquecem dos compromissos com o bem-comum e passam a atuar apenas no sentido de defender seus interesses particulares. A corrupção é um câncer e o sistema uma desesperança.
Talvez, a maneira correta esteja mesmo em rever a composição e a forma de alguém aceder ao STF, para que ninguém pense que é Deus ou acima dele; para que tornemos a ter confiança na correção jurídica (e não política) de nosso sistema normativo jurídico. Em meio a tantas Emendas e remendos constitucionais, por que não? O certo é que o queridinho da Revolução Francesa deve estar revirado no túmulo, depois de ter assistido a uma série sobre a Democracia Brasileira. Simplesmente não aguentou e morreu.