O pacote anticrime

A propósito de um encrudecimento contra o crime, ou seja, de termos, no Brasil, um tratamento legal mais severo contra autores de práticas delituosas, no ano de 2019, foi lançado o chamado “Pacote Anticrime”, com repercussão no Direito Penal, no Direito Processual Penal e na Execução Criminal (depois que o sujeito já houver sido definitivamente condenado). Neste último aspecto, uma das mudanças diz respeito à progressão do regime de cumprimento de pena (fechado, semiaberto e aberto).

Com efeito, o “Pacote Anticrime” deu uma repaginada no artigo 112 da LEP – Lei das Execuções Penais, assim como revogou o artigo 2, parágrafo segundo, da Lei 8.072/90, tudo a instituir novos parâmetros para progressão de regime que, aliás, passou a ser calculada por meio de percentuais, de modo a gerar dúvidas se o pacote era mesmo “ante”ou “pro”crime.

Esse tema me surgiu a partir do assassinato, a facadas, de uma Juíza de Direito, pelo ex-marido, em frente das filhas, no último dia 24 de dezembro de 2020, no Rio de Janeiro, ocasião em que me questionei: que pena poderia ser proporcional à sentença sumária de morte e execução a ela decretada pelo pai de suas filhas, sujeito, por ora, recolhido ao sistema prisional?

Em “juridiquês”, progredir de regime é a possibilidade de o preso, depois de cumprir uma certa parte ou tempo de pena, passar a um regime mais brando, ou seja, do fechado para o semiaberto (poder sair para “trabalhar” e se recolher ao cárcere à noite, em finais de semana e feriados); do semiaberto para o aberto (comparecer ao fórum e assinar um livro) e, na atualidade, como política criminal para diminuir população carcerária e por conta do risco de contaminação pela Covid 19, por criação jurisprudencial e do CNJ, a prisão domiciliar.

Observe: o artigo 112 da Lei das Execuções Penais dizia que a pena privativa de liberdade deveria ser executada de forma progressiva, com a transferência para um regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e o seu mérito indicar a progressão.

No ano de 1990, sobreveio a Lei 8.072/90, a Lei dos Crimes Hediondos, nela dizendo, o Legislador, que, em se tratando de crime hediondo (como o latrocínio, o estupro, a extorsão mediante sequestro qualificada pela morte, epidemia com o resultado morte, a falsificação, corrupção ou adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, o genocídio, o homicídio qualificado, e outros crimes equiparados a hediondo, como, exemplificativamente, o tráfico de substância entorpecente, não seria admitida qualquer progressão de regime, o que significava que apena deveria ser cumprida em regime integral fechado.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade da Lei 8.072/90. Adiante, mudou de ideia, declarando a sua inconstitucionalidade, e tudo voltou a ser como D’antes no Quartel de Abrantes: o STF disse que, mesmo nos crimes hediondos ou a eles equiparados, a progressão deveria se dar nos mesmos 1/6 previstos na Lei de Execuções Penais.

Em 1997, o Legislativo se apressou, diante do posicionamento do Supremo, e alterou a LEP nos seguintes termos: a progressão de regime, no cumprimento da pena imposta, para casos de crimes hediondos ou a eles equiparados, deveria se dar de modo diferenciado: depois de cumprido 2/5 da pena imposta; e, se o agente fosse reincidente em qualquer crime independente de ser reincidente específica ou não), a fração exigida para progressão aumentaria para 3/5.

Isso permaneceu assim até o advento do “Pacote Anticrime”: desde então, foram estabelecidos percentuais gradativos, em conformidade com as condições pessoais dos condenados, para fins de cálculo do requisito objetivo para o direito à progressão, estabelecendo padrões diferenciados.

Depois do “Pacote Anticrime” – que passou a vigorar a partir de 06 de janeiro de 2020 -, tais percentuais (e não mais frações) são os seguintes: a) 16% da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; b) 20% da pena, se o apenado que for reincidente em crime for cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa; c) 25% da pena, se o apenado for primário e o crime houver sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa; d) 30% da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.

Nos crimes hediondos ou a eles equiparados, o “Pacote Anticrime” também trouxe novidades não em relação ao conceito, mas à progressão de regime. Na atualidade, temos as seguintes hipóteses: a) 40% da pena, se o apenado é primário (parece ser o caso do assassino da Juíza acima referido); b) 50% da pena, em se tratando de crime de constituição de milícia privada; c) 50% da pena, se o apenado exercer o comando individual ou coletivo de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou a ele equiparado; d) 60% da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou a ele equiparado; e, e)70% da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou a ele equiparado, com resultado morte.

Note que as hipóteses das letras “d” e “e” contemplam casos de reincidência de crimes hediondos, o anterior e o posterior. Ao contrário da legislação anterior, portanto, a exigência de cumprimento de 60 e 70% da pena, em casos de reincidência, só ocorrerá se o apenado tiver sido anteriormente condenado por crime hediondo, não se aplicando para crimes não hediondos, uma mudança legislativa mais benéfica ao criminoso.

Outra alteração em benefício do apenado é aquela que diz respeito à mulher gestante e que for mãe ou responsável por criança ou pessoa portadora de deficiência (a lei não diz qual nem do nível de comprometimento), pois elas poderão progredir de regime com 1/8 da pena cumprida, desde que o delito não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, seja primária e ostente bom comportamento carcerário, não tenha cometido o crime contra o seu filho ou dependente, bem como não tenha integrado organização criminosa.

Faço esse registro para ser refletido nos crimes dolosos e hediondos contra a vida, e sigo questionando esse sistema de cumprimento de pena no caso da Juíza assassinada, brutalmente, em frente as filhas, em um país cuja proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana são princípios nucleares da ordem constitucional.