O projeto chamado de Novo Arcabouço Fiscal deverá ser votado no Senado até julho, após ter sido aprovado pela Câmara Federal. Resumidamente, tratam-se das regras para controlar as contas públicas. Ou seja, conter os gastos do governo brasileiro. No entanto, há um impasse que vai além dos instrumentos e das metas de saldo positivo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já explicou publicamente que a proposta exige aumento de arrecadação entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões.
Por isso, especialistas contrários ao projeto de lei afirmam que o arcabouço resultará em aumento de impostos. “Quando se fala em ‘aumento de arrecadação’, significa que você (o contribuinte) vai pagar mais imposto. Esse aumento necessário para ter o equilíbrio fiscal é muito grande. Ou seja, nós brasileiros vamos ter que pagar mais tributos ao Estado”, opina Rodrigo Saraiva, membro do conselho administrativo do Instituto Mises Brasil.
Já Paulo Gala, professor de economia na FGV (Fundação Getulio Vargas) e economista-chefe do Banco Master, tem visão diferente: “não acho que vêm novos impostos”. Para ele, os R$ 150 bilhões virão de reonerações (a volta de uma cobrança tributária) e do crescimento da economia nacional.
“É importante dizer que a economia brasileira tem dado sinais, tem tido atividade econômica melhor do que se imaginava. Um crescimento próximo a 2%, no ano que vem, ajudaria muito na arrecadação”, acredita ele.
Fazenda nega aumento de encargos
Por sua vez, o Ministério da Fazenda nega. A pasta disse que a proposição “não vai aumentar a carga tributária”.
“A proposta não prevê novos tributos ou aumentos das alíquotas atuais. Aliás, o novo regime está alinhado a outra proposta de extrema importância, a Reforma Tributária, que está em sua primeira etapa focada na tributação sobre consumo (impostos indiretos) e também não vai elevar impostos, mas sim corrigir o caráter ineficiente e regressivo do atual sistema tributário, que penaliza a produção e também quem está na parte de baixo da pirâmide social”, declarou a Fazenda.
Porém, é fato que algumas medidas de criação ou aumento de impostos já estão sendo debatidas pelo ministro Fernando Haddad. E não só nos bastidores. Três delas são:
1. Taxação de apostas esportivas. Previsão de arrecadação: R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões por ano;
2. Taxação de lojas digitais, como a Shein. Previsão de arrecadação: R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões;
3. Impedir que subvenção a Estados para investimento seja equiparada a custeio. Previsão de arrecadação: R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões.
“Licença para gastar”, diz oposição
Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), o novo marco fiscal será uma “licença para Lula gastar”.
“Serão R$ 548 bilhões de impacto negativo no bolso dos brasileiros nos próximos três anos. Não tem um artigo, inciso ou alínea no texto do arcabouço que faça qualquer menção a corte de despesas. Não tem milagre, a conta virá em aumento de impostos e inflação, ou seja, a população é quem pagará, especialmente os mais pobres, que já arcam com 53% da arrecadação atual. É uma desgraça”, argumenta o parlamentar.
Por outro lado, Luiz Alberto Melchert, economista e doutor em História Econômica pela USP (Universidade de São Paulo), vê positivamente o arcabouço proposto pela equipe de Haddad.
“Particularmente, vejo como positivo justamente pelos motivos que desagradaram gregos e troianos. O teto de gastos era um absurdo em essência, pois visava a dilapidar o patrimônio público. Substituir por lei complementar dará margem a mudanças sem o estresse político de uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição]. Ao mesmo tempo, ela lardeia o controle e a responsabilidade com o dinheiro público”, pensa ele.
Ou seja, ele lembra que a proposta desagradou parte da esquerda, mas também aos opositores de direita. Por exemplo, o PSOL, partido da base do governo Lula, votou contra o projeto. O mesmo foi feito pelo Novo, uma sigla contrária à atual administração.
Para ilustrar, Sâmia Bonfim (PSOL-SP) faz parte do primeiro grupo. Para ela, o novo marco fiscal é “ruim, porque segue a lógica de teto de investimentos nas áreas sociais mesmo nos momentos em que o Brasil tiver um crescimento (econômico)”.
“O projeto vai, ao mesmo tempo, impedir que as áreas sociais possam ser atendidas mesmo nos momentos de crise de maior dificuldade, mas também impedir que o Estado faça o seu papel de potencializar a economia. E também empurrará para desconstitucionalização os pisos da saúde ou da educação, algo que é gravíssimo, porque os estados e municípios mal pagam o mínimo para essas áreas. Se eles estiverem com o mínimo fora da Constituição, a situação vai ser ainda pior”, fala ela à reportagem.
Próximos passos
Após ser aprovada em regime de urgência pela Câmara dos Deputados, o arcabouço fiscal será analisado no Senado em breve. Segundo os especialistas consultados pela reportagem, a matéria deve também ter o aval dos senadores.
Se isso ocorrer, cabe ao presidente Lula sancionar ou não o texto. Porém, vale lembrar que a proposta enviada pelo Ministério da Fazenda ao Congresso Nacional já teve o “sim” do mandatário.
Fonte: Correio do Povo