
Neste semestre, uma das disciplinas que leciono na Faculdade é Direito Penal, na parte em que ele se dedica aos crimes em espécie.
E o abre-alas dos crimes em espécie são os crimes contra a pessoa, iniciando, é claro, com os crimes contra a vida, um bem jurídico especialmente protegido pela sua relevância, já que trata da existência humana: sem vida humana, nenhum direito do ser humano tem uma real importância, em que pese se possa pensar em uma projeção do Direito para antes e depois da morte em um contexto da vida em sociedade (alimentos para o ser humano concebido e não nascido, sucessão e direito à preservação da imagem de pessoa morta, por exemplo).
Dentre os crimes contra a vida, o primeiríssimo é o homicídio: “matar alguém”, como diz o dispositivo legal do artigo 121, onde estão disciplinadas as várias formas de matar alguém, dolosa ou culposamente, como os vários motivos e os diversos meios de fazê-lo.
Entretanto, o homicídio não é o único crime contra a vida. Há, também, o infanticídio, o aborto e um crime que, preparando a aula, outro dia, dei-me conta de como sua configuração mudou nos últimos anos, especialmente por um fenômeno chamado “redes sociais”: o induzimento, a instigação e o auxílio ao suicídio e à automutilação, esta incluída como modalidade criminosa no final do ano de 2019 pela Lei 13.968.
Ao longo de minha vida profissional (que envolve a advocacia, a docência, mas, também, a promotoria de justiça. fiz uma única denúncia de instigação ao suicídio. Então, estatisticamente, ele não é um crime que fica em nosso radar; porém, é assustador como ele eclodiu nos últimos anos, especialmente durante a pandemia, quando as redes sociais, por longo tempo, foram um verdadeiro “escape” de vida social.
O uso das redes sociais virtuais tem se expandido difusamente, tornando parte integrante da vida de milhares de pessoas, sendo mesmo imprescindível e um caminho sem volta. Mas o seu uso trouxe, por outro lado, perigos dos quais não nos damos conta ou, quando vemos, já é tarde. Não é sem razão que o legislador entendeu em fazer do induzimento, a instigação e do auxílio não só ao suicídio, mas, também, à automutilação como crime autônomo contra a vida.
Induzir é criar a ideia de se matar e de se automutilar na cabeça de uma outra; incitar é estimular uma ideia que já está na cabeça dela (atiçá-la). Já o auxílio implica uma participação material, uma “ajuda” que escapa ao âmbito moral, para se constituir numa assistência, um apoio, por exemplo, fornecendo os meios.
Que fique claro que suicidar-se ou automutilar-se não é crime; porém, induzir, instigar ou auxiliar que alguém o faça, é. E precisa ser, porque se multiplicam os grupos de automutilação em redes sociais virtuais, aumentando, vertiginosamente, as vulnerabilidades para o comportamento autolesivo, sendo, inclusive, possível perceber um efeito de contágio, em que a assistência vem exatamente por meio desses grupos específicos formados em redes sociais, em especial, pelo Facebook.
Por isso é tão importante sabermos o que nossos filhos fazem nas redes sociais, não de forma absolutamente invasiva, mas com cautela e sob medida, assim como importa envidar esforços para saber como as pessoas, especialmente os adolescentes, estabelecem esses meios de interação com vistas a compartilhar de suas experiências que falam de sofrimento, dor, depressão, prazer e transtornos com estranhos em rede, cujo apoio pode ser nefasto. É igualmente importante difundir e combater essa modalidade de violência, com comportamentos, inclusive jogos (lembrei agora da Baleia Azul) que induzem, instigam ou auxiliam comportamento suicida e automutilador.
Portanto, vejo com bons olhos o tipo penal do artigo 122 do Código Penal ganhou destaque (ainda que um pouco retórico e teórico, em razão das penas inexpressivas), pois, em tempos de multiplicação de um fenômeno chamado depressão; tempos em que o celular virou o novo cigarro e tempos em que o Facebook- desenhado para explorar as vulnerabilidades humanas – se tornou tão contundente meio de comunicação entre pessoas de todas as idades, o Direito Penal precisa estar atento à realidade.