A partir desta semana, o governo do Estado passará a discutir com a sociedade as reformas estruturantes que projeta para reduzir os custos da máquina pública e possibilitar o aumento em investimentos. Partindo do cenário de que 82% da receita atual está comprometida com o pagamento de pessoal, o pacote de medidas proposto é focado em contenção da despesa vegetativa, previdência, cargos comissionados, isenções e benefícios fiscais e reforma tributária.
As propostas não estão concluídas. Antes de protocolá-las na Assembleia Legislativa – o que está previsto para a segunda quinzena de outubro –, o governador Eduardo Leite iniciou nesta segunda-feira (7) o debate público, buscando explicar os motivos e as consequências esperadas e, seguindo a proposta da agenda do diálogo, colher sugestões para ajudar na construção.
“Não tem mais como adiar essas medidas. Daqui a 20 anos, tanto eu e o nosso governo, quanto os deputados vamos olhar para trás e ver o legado que foi deixado. Sei que não é fácil, pois estamos mexendo em algo que funciona desse jeito há muito tempo. O governo federal, por exemplo, reformou as carreiras e revisou benefícios há mais de 20 anos. Se não fizermos algo agora, o RS vai paralisar daqui a alguns anos”, destacou Leite.
Logo cedo, o governador recebeu para um café da manhã no Palácio Piratini diretores de empresas de comunicação. Ao longo da manhã e início da tarde, se reuniu, no Centro de Treinamento da Procergs, com 23 deputados da base aliada e 13 coordenadores de bancada. Por fim, concedeu entrevista coletiva à imprensa, adiantando alguns pontos da reforma, mas prometendo a divulgação completa somente após se reunir com os sindicatos e os demais Poderes, a quem quer apresentar as propostas “de forma contextualizada e não fragmentada”.
Aos parlamentares, que efetivamente tomarão a decisão final sobre as medidas, afirmou: “Sei que a decisão é difícil, mas está se pensando no legado, e não no governo. O governador não representa o governo, os deputados não representam a Assembleia. Ambos representamos o Estado, o povo”, afirmou.
Combate às causas da crise
Coube aos secretários da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, e de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos, apresentar o cenário fiscal do Estado – e que justifica o encaminhamento da reforma de pessoal.
Os dados mostram que o Estado registra déficit orçamentário, com a despesa de pessoal atingindo 68,44% da Receita Corrente Líquida (conforme critério da Secretaria do Tesouro Nacional), acima do máximo de 60%. O déficit se concentra em despesas de caráter obrigatório, que não podem ser interrompidas, caracterizando um déficit estrutural nas contas públicas.
Além disso, o RS ultrapassa os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – endividamento e pessoal no limite prudencial – e está ranqueado com a pior nota possível (D) na Capacidade de Pagamento, sem direito a contratar novas operações de crédito. A insuficiência crônica do Orçamento de 2019 (considerando riscos de dívida com a União e precatórios) soma R$ 7 bilhões. Isso significa que, estruturalmente, o Estado não teria recursos para quitar mais do que oito folhas de pagamento em um ano.
O cenário do Rio Grande do Sul contempla, ainda, uma das piores situações previdenciárias do Brasil – o déficit para este ano deve ser superior a R$ 12 bilhões. Significa que o Estado destinará esse valor para pagar o que faltou para as aposentadorias e pensões em um ano. É o pior déficit per capita de todo o país – aqui, o custo anual chega a R$ 1.038 por habitante, bem acima do valor registrado no Distrito Federal (R$ 887), que ocupa o segundo lugar no ranking.
“Não estamos pagando a dívida com a União, não estamos pagando os salários em dia – aliás, hoje completa quatro anos de salários atrasados –, não pagamos os precatórios, não temos mais como buscar empréstimo e estamos sem condições de investir em estrutura e melhores serviços. Além disso, estamos nos tornando um Estado envelhecido. Ou o governo age agora ou nem os servidores ou o Estado vão ter sobrevivência sem passar uma enorme crise logo ali na frente”, ressaltou o governador, pedindo aos deputados que compreendam o senso de urgência do pacote.
Considerando apenas as reformas das carreiras dos servidores e da Previdência, o governo estima economizar R$ 25 bilhões nos próximos dez anos. O valor diz respeito a mais do que três vezes o que renderia a venda do Banrisul. “A diferença é que a venda do banco seria uma solução temporária, para resolver somente este governo; enquanto a outra, a reforma, será um legado para as futuras gerações. Queremos atacar as causas, não os sintomas”, ressaltou Leite.
Além de conter o crescimento vegetativo da folha e dos custos previdenciários, o pacote de reformas busca retomar a capacidade de reposição de servidores; reverter a queda do investimento público e na entrega de serviços de qualidade à sociedade; e atualizar e modernizar a legislação do Estado, dando mais clareza e transparência.
Revisão econômica
“Acabar com incentivos fiscais garantiria R$ 9,5 bilhões de ICMS a mais.” Essa é uma falsa afirmação constantemente propagada. O secretário da Fazenda explicou que o montante de R$ 9,5 bilhões inclui isenções nacionais (por exemplo, cesta básica), outras meramente operacionais e, ainda, termos de acordo com validade de longo prazo. “Os créditos presumidos são os de efetivo incentivo econômico e representam menos de R$ 3 bilhões”, afirmou Marco Aurelio.
O governo está fazendo uma revisão econômica desse universo, para tomar uma decisão embasada quanto a possíveis alterações em 2020. “A simples eliminação de incentivos sem estudo implicaria risco de perda de empresas, empregos e receita”, completou o secretário.
Outra alternativa eliminada pelo Estado é a de cobrar ou vender a dívida ativa para resolver o déficit. A dívida ativa tributária em dezembro de 2018 totalizou R$ 44,5 bilhões, mas são valores, em sua maior parte, incobráveis – de empresas que não existem mais, por exemplo.
A provisão para perdas é de R$ 31,6 bilhões, restando, portanto, R$ 13 bilhões passíveis de cobrança. Medidas de cobrança já em andamento garantiram crescimento até agosto deste ano de 18,6% nos recebimentos desses valores em relação a 2018 (R$ 1,72 bilhão, somando Secretaria da Fazenda e Procuradoria-Geral do Estado).
Participaram do encontro, ainda, o vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, a secretária de Comunicação, Tânia Moreira, o secretário de Governança e Gestão Estratégica, Claudio Gastal, e o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.