Opinião

Do medicamento ao veneno

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

É de hoje que discutirmos o uso de drogas lícitas e ilícitas? Não. Evidente, ninguém inventou a roda nessa matéria. E meu enfoque aqui não é a licitude ou a ilicitude, já antecipo, mas a cura das dores (físicas e emocionais) e a dependência.

Embora o uso dessas substâncias com o objetivo de cura ou para minimizar a dor seja milenar, em 1884, Freud, médico de formação, se interessou demais pelas propriedades da cocaína que, à época, era pouco conhecida. 

Um médico militar alemão a havia utilizado para aumentar a resistência dos soldados, conta Ariane Severo (in “Freud: de Viena a Paris”, p. 101-102); porém, Freud estava pensando em empregá-la no tratamento de problemas cardíacos e esgotamento nervoso, tendo inclusive escrito um artigo intitulado “Sobre a Coca”. Em 1887, Freud estava entusiasmado pelas propriedades da planta, seus efeitos tônicos e euforizantes. Só não imaginava que uma droga iria substituir outra, pois não sabia que a cocaína causava dependência química.

Só adiante, ele identificou que a cocaína era, de um lado, medicamento e, de outro, veneno. Ou seja, se, sob uma perspectiva, a cocaína podia ser usada como anestésico ou como estimulante, aumentado o bem-estar, parecendo um “remédio milagroso”, inclusive funcionando como anestesia local, de outra, ela pode ser uma experiência desconcertante e mortal, e virar a vida de muitos, não só do dependente, mas de muitos que vivem em seu entorno, em um inferno. 

Hoje sabemos que, se as drogas levam a uma sensação de bem-estar momentaneamente, alívio para as dores físicas e emocionais (especialmente), elas são, em geral, altamente destrutivas, sejam lícitas (álcool, por exemplo) ou ilícitas. Quando viram veneno, ou seja, quando estabelecem com o indivíduo relação cativa, de dependência, quase sempre já produziu tantos efeitos negativos que tornam o viver algo penoso em si mesmo. É como a escravidão, em que pese não guarde nenhuma relação com a cor da pele. Triste de qualquer modo.