Adotar é um dos atos mais lindos e altruísta na vida de uma pessoa. É acolher não pelo corpo, mas por meio do coração. É abrir mão do consanguíneo (sangue) para acolher só com a alma. Tanto maior a grandeza que envolve esse gesto, se praticado segundo a perspectiva de que toda criança tem o direito de se inserir em uma família. É um adotar não apenas porque eu quero, mas, principalmente, porque ela merece, enquanto ser uma pessoa.
Por isso, a adoção de seres humanos deveria ser preferencialmente incentivada em um Estado de Direito voltado à valorização da vida humana, especialmente de seres humanos vivos e concertos, frutos da irresponsabilidade de gente que não compreende a liberdade segundo um quadro de correlata responsabilidade, de indivíduos que querem liberdade sexual, trazem seres humanos ao mundo e não querem se responsabilizar pela respectiva criação, educação e apoio, indo ao ponto de abandonar por completo seus filhos mundo a fora.
Quem tem a feliz experiência da adoção afirma mesmo a existência de um DNA de alma; de vínculos eternos que se constroem para a eternidade, independente dos aspectos legais. Esse amor não carnal, altruísta, construído, penso, em nada se diferencia daquele oriundo de vínculos de sangue.
Sem embargo, já tive a oportunidade de ser questionada: é possível “cancelar” (revogar é a correta terminologia) uma adoção?
O questionamento em si é chocante, mas é claro que, no mundo real, pode acontecer que não tenham se formado ou tenham se desfeito os laços paternais cordiais (do coração) e de afeto entre o adotante e o adotado, o que não deve ser visto como um desestímulo à adoção, até porque não há nenhuma garantia de que, em se tratando de filiação consanguínea, o DNA de alma não reste neutralizado, nem mesmo que dê espaço à indiferença, ao desamor e à destruição.
Respondendo, agora, o questionamento acima, repare que o Estatuto da Criança e do Adolescente, no § 1º de seu artigo 39, diz que a adoção é” irrevogável”. Tal medida se dá pelo mesmo motivo de que os pais biológicos também não podem simplesmente dizer que não querem mais ser pais, e nem por isso deixarão a paternidade. O abandono, caracteriza crime.
Logo, para resolver problemas de convivência, os genitores adotivos não poderão devolver a criança ou adolescente ao lar acolhedor provisório para, novamente, essas pessoas terem uma outra família adotante.
Mas, atenção: o STJ, segundo uma primazia do quê sobre o como em matéria de dignidade da criança e do adolescente, já entendeu em flexibilizar esse entendimento: a regra é a irrevogabilidade da adoção. Entretanto, a depender das circunstâncias do caso concreto, a regra deve ser afastada, para melhor atender aos interesses do menor. Imagine o seguinte exemplo: um casal adota uma criança, mas, em seguida, vem a sofrer de um acidente em que um deles morre e o outro fica paraplégico, sem que haja ascendentes ou outros parentes interessados na guarda do menor, tampouco na sua criação afetuosa. Há de prevalecer a forma ou a substância no instituto da adoção? O STJ diz que é a substância. O interesse do menor. O Direito, antes de tudo, é bom senso.
Saliento que essa flexibilização não ocorreu em um único caso. Já há vários precedentes em nível de Tribunal Superior. Os pedidos de pais que querem revogar adoções costumam ser acolhidos, para evitar que a criança permaneça em uma família que não quer mais conviver com ela.
Por outro lado, no específico caso de se pretender revogar a adoção, também há precedentes de responsabilização financeira de quem simplesmente deseja romper com o referido vínculo: recentemente, em ação movida pelo Ministério Público, um Casal de SP foi condenado, em segundo grau de jurisdição (TJSP) a pagar 150 mil reais a um garoto, por devolvê-lo depois de um determinado tempo.
Consta que a família concluiu todos os trâmites judiciais da adoção, mas, adiante, desistiu, isso quando a criança já havia permanecido mais de ano no núcleo familiar adotivo.
Para a Justiça, o casal argumentou que adotou o garoto com o objetivo de dar uma boa condição de vida a ele. Entretanto, a relação com o menor teria ficado insustentável, pois ele era rebelde, e tinha comportamento agressivo, desafiador e temerário.
É circunstância a ser excepcionalmente avaliada, especialmente num quadro ético de que nenhuma pessoa pode ser instrumentalizada, tratada como mercadoria, como objeto, como coisa. Nossas opções e escolhas têm seu preço. Já as pessoas têm valor que precisa ser respeitado.