Caxias do Sul

Comitê Pop Rua afirma que autor de homicídio não é morador de rua em Caxias do Sul

Grupo criado no governo Adiló, para apoio às políticas públicas voltadas à população de rua, observa riscos da associação direta da criminalidade às pessoas em vulnerabilidade

Foto: Cristiano Gauer/Grupo RSCOM
Foto: Cristiano Gauer/Grupo RSCOM

O 30º homicídio do ano em Caxias do Sul está transcendo a área da segurança pública em Caxias do Sul. No último sábado (24), José Monteiro da Silveira, 35 anos, foi morto a golpes de faca na Rua Sarmento Leite, no bairro Rio Branco. De acordo com informações repassadas pela Brigada Militar, o homem apontado como autor seria morador de rua e estava em surto quando atingiu a vítima com facadas nas costas e no peito. Ele foi preso logo após o crime no bairro São Pelegrino e já tinha diversos antecedentes criminais.

Diante do caso, a Prefeitura de Caxias do Sul convocou o Gabinete de Crise na última segunda-feira (26) e implantou uma força-tarefa para abordar, cadastrar e retirar moradores de rua da cidade. Uma coletiva de imprensa também foi realizada para divulgar a ação.

Contudo, nesta terça-feira, o Comitê Pop Rua, por meio de nota (confira íntegra abaixo), afirmou que homem apontado como autor não é morador de rua, tendo endereço fixo em Caxias do Sul, e possui transtorno mental grave. Com base nisso, o grupo pede que as questões relacionadas à população em situação de rua sejam tratadas com a devida responsabilidade e complexidade, em diálogo com o grupo de trabalho.

Procurada pela reportagem do Portal Leouve/Rádio Viva, a Prefeitura de Caxias do Sul, por meio da assessoria de imprensa, informou que avaliaria o caso para depois se manifestar.

Segundo a Brigada Militar, o homem preso pelo homicídio, embora tenha endereço na cidade, vive em situação de rua, tendo sido, por esse motivo, assim descrito pela corporação após o crime.

O COMITÊ POP RUA

O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê Pop Rua) foi implantado por Decreto Municipal, em novembro de 2022, ou seja, no governo do prefeito Adilo Didomenico.

Formado por 11 integrantes do poder público municipal e 11 da sociedade civil, o grupo destina-se ao acompanhamento, assessoramento e monitoramento das politicas públicas voltadas para a população em situação de rua.

NOTA PÚBLICA

O Comitê Pop Rua implantado pelo Decreto Municipal nº 22.286 de 17 de novembro de 2022, tem por objetivo fazer o acompanhamento, assessoramento e monitoramento das políticas públicas voltadas para as pessoas em situação de rua, sendo composto por representantes de órgãos governamentais, bem como da sociedade civil organizada, vem a público manifestar-se sobre os fatos ocorridos neste último final de semana, envolvendo a temática das pessoas em situação de rua.

No que tange às pessoas em situação de rua, é preciso esclarecer que a superação desta se dá através da oferta de políticas públicas intersetoriais, como educação, habitação, saúde, segurança alimentar, trabalho e renda, cultura, entre outras. Sendo com isso que este grupo de trabalho tem se envolvido, cabendo destacar que no dia 12/12/2023 foi entregue ao chefe do Poder Executivo Municipal, uma Proposta Preliminar de Política Municipal para o Atendimento de Pessoas em Situação de Rua. E esta mesma proposta também foi entregue ao Poder Legislativo Municipal em 06/02/2024, para apreciação e contribuições. Destacamos ainda que, no dia 27/03/2024 às 14h será realizado uma audiência pública para discussões, contribuições e aprovação da proposta final.

Neste sentido gostaríamos de apontar dois aspectos importantes: Em primeiro lugar, nos solidarizamos aos familiares e amigos e lamentamos a irreparável perda do cidadão, o qual foi brutalmente assassinado em nossa cidade. Sendo este, o 30º homicídio ocorrido em Caxias do Sul, em dois meses, o que demonstra aspectos relacionados a segurança pública no município. Porém este tema deve ser trabalhado com a devida responsabilidade e complexidade, evitando generalizações e culpabilizações errôneas, neste caso, direcionados exclusivamente a população em situação de rua.

Diante das inúmeras notícias relacionadas ao caso, que colocam o autor do ato como uma pessoa em situação de rua é importante salientar que o mesmo não é uma pessoa em situação de rua, possui um endereço fixo, sendo morador de um bairro próximo ao local da ocorrência e trata-se de uma pessoa com transtorno mental grave. Além de ser natural de Caxias do Sul, sendo residente e domiciliado em nosso município.

Relacionar a população em situação de rua ao aumento da criminalidade requer dados que deem sustentação a esse argumento, além de colocá-los como causa de um problema social, quando na verdade são consequências de um sistema econômico e social falho.

Em segundo lugar, pontuar que este comitê tem por natureza dialogar, acompanhar, construir e monitorar ações referentes à população em situação de rua, e desde sua implantação prezamos pelo diálogo com toda a sociedade, bem como, os poderes executivo e legislativo. No entanto, fomos surpreendidos através da imprensa, com a notícia da formação de um gabinete de crise para tratar dos “moradores de rua” na cidade, após o homicídio, cometido por uma suposta pessoa em situação de rua, e não sendo este comitê convidado para participar das discussões.

Com base nas legislações e fundamentos com os quais trabalhamos neste comitê, entendemos ser necessário fazer uma distinção entre aspectos relacionados à segurança pública e as pessoas em situação de rua, a fim de não criminalizar um grupo populacional que é heterogêneo e já apresenta muitas fragilidades. A veiculação exclusiva da criminalidade associada às pessoas em situação de rua gera desinformações e estimula preconceitos, o que não contribui com o processo de saída das ruas.

Este comitê manifesta preocupação com relação às ações anunciadas pelo Poder Executivo Municipal, em relação às pessoas em situação de rua, como limpeza de espaços, remoção de pertences, através de uma força tarefa, além disso, nos preocupa às repercussões dessas falas na comunidade, pois podem desencadear posturas hostis.

Outro aspecto a ser salientado se refere a não distribuição de alimentos à população em situação de rua, é importante pontuar, que nosso município não possui uma política de segurança alimentar que contemple as necessidades humanas básicas, como restaurantes populares. Este e outros apontamentos estão contemplados na Proposta Preliminar de Política Municipal para o Atendimento de Pessoas em Situação de Rua, que é fundamentada em um diagnóstico preliminar do contexto municipal.

Por fim solicitamos que as questões relacionadas à população em situação de rua possam ser tratadas com a devida responsabilidade e complexidade, principalmente em diálogo com este grupo de trabalho, que há um ano vem debatendo e construindo alternativas e propostas para o atendimento com qualidade destas pessoas.

O Comitê Pop Rua está sempre à disposição para todas as discussões e construções sobre a temática, já que este é o objetivo fundamental de sua existência.