Bento Gonçalves

Casa de Passagem de Bento Gonçalves: um ponto de chegada na busca de oportunidades

Casa de Passagem de Bento Gonçalves: um ponto de chegada na busca de oportunidades

A Serra Gaúcha é um local que atrai pessoas de muitas regiões do Brasil e do mundo quando as mesmas buscam oportunidades para uma vida melhor. Bento Gonçalves é um dos principais destinos destes indivíduos que querem melhores condições para si e suas famílias. Empregos no setor moveleiro e outras áreas são atrativos comuns. Entretanto, em meio ao verão, com a chegada da vindima, começam as safras e o campo torna-se um local com grande necessidade de mão de obra.

Diante deste cenário, trabalhadores viajam dos quatro cantos do país para chegar em Bento Gonçalves e, quando desembarcam, muitas vezes ainda estão com o futuro laboral sem definição. Alguns chegam na cidade apenas com algumas roupas e dinheiro contado para poucos dias. Contudo, mesmo com a incerteza do que acontecerá em suas vidas, estas pessoas, bem como moradores da própria cidade que estejam em necessidade, podem contar com a Casa de Passagem.

A Casa de Passagem

Fundada em 2019, a Casa de Passagem de Bento Gonçalves é um espaço situado na Rua Francisco Navarini, bairro Maria Goretti, que recebe centenas de pessoas anualmente. Ali, moradores de rua, pessoas em situação de vulnerabilidade e outros casos podem encontrar abrigo. Conforme afirma Eduardo Virissimo, secretário de Esportes e Desenvolvimento Social, a Casa “tem um atendimento a todas as pessoas que precisam e, por algum motivo, não tem um teto para morar.”

Os hóspedes podem acessar o ambiente a partir das 19h, mediante a uma aprovação, após apresentação de documentos e antecedentes criminais no CREAS da cidade. Após a autorização, o indivíduo poderá ir até a Casa e lá, receberá auxílios básicos como alimentação, higiene e abrigo. Em casos de emergência, onde a pessoa chega fora do horário, o local poderá acolher. Porém, o processo não pode ser feito por reincidentes.

Virissimo revelou como é a rotina dos hospedes da casa a partir do ingresso. “Eles acessam a casa após as 19 horas. Aqui, temos um lugar onde eles podem tomar um banho, fazer toda a sua higiene. Inclusive, as pessoas que acessam a casa e não têm o seu material higiênico, ganham toalha, sabonete, escova e pasta dental. Depois disso, eles têm direito a um café, onde se alimentam, uma área de convivência, onde podem compartilhar assistindo televisão e conversar. Depois então, tem a hora de dormir. Durante a manhã, acordam, também tomam o café e até às 7 horas da manhã, ele sai então para o seu dia a dia.”

Verão, época de alta procura

Diferentemente do que o senso comum pode ditar, a Casa não é mais movimentada no inverno, quando as temperaturas serranas beiram o zero, ou ainda, ultrapassam a barreira do negativo, mas sim, em pleno verão, época de safra da uva. Vão até a Casa de Passagem estes que procuram um trabalho na Capital da Uva e do Vinho e não tem condições de se estabelecerem em algum hotel ou pousada. Ali podem encontrar auxilio para alguns dias.

“A casa de passagem no inverno tem uma procura também, mas é uma procura constante. Nunca tem um aumento, ou nunca tem a lotação máxima. Durante o verão, pela nossa cidade ter a colheita da uva e aumentar muito o trabalho na cidade, muitas pessoas vêm de fora da cidade para cá para trabalharem nesse serviço.” Afirma Virissimo.

Hóspedes trabalham na safra e outros buscam fixar residência e ter uma vida melhor

A equipe de jornalismo do Portal Leouve foi até o local para observar um pouco da rotina e conversar com os hóspedes. Lá estavam Francisco Samir Garcia, 52 anos, natural de São Paulo, e, também Valter Martins de Souza, 49 anos, nascido em Ipatinga, Minas Gerais. O primeiro, já conhecedor da casa, retornou em 2022 para novamente trabalhar na colheita de uva. O segundo, também a trabalho, estava pela primeira vez em Bento Gonçalves e buscava um trabalho no setor da metalurgia.

Francisco revelou que é vigilante, mas abandonou a profissão há algum tempo e atualmente vive de trabalhar em safras. Ele esteve em Santa Catarina, Goiás e outros locais para exercer esta nova função. Em Bento Gonçalves já esteve em ocasiões passadas para trabalhar na colheita de uvas e pêssegos. “Na realidade, a minha profissão é vigilante. Eu já estou há algum tempo sem fazer reciclagem no meu curso e, na realidade, eu abandonei um pouco essa profissão. Depois que eu consegui meu primeiro trabalho na área de safrista. Lembro bem que foi trabalhando com maçã, eu me adaptei nessa área. (…) aí, na época em que eu trabalhava com maçã, algumas pessoas me passaram o conhecimento da Serra Gaúcha sobre safras de uva principalmente. E aí eu comecei a vir até Bento.”

Ele relembra que na primeira vez em Bento Gonçalves foi um risco. “A primeira vez eu arrisquei por não ter conhecimento, e eu nem conhecia e eu nem conhecia, por exemplo, que dispunha de uma casa como essa, desse tipo de ajuda, desse tipo de apoio“.

Francisco Samir é natural de São Paulo, mas vive em Curitiba

Segundo Samir, o trabalho é muitas vezes procurado por pessoas que já estão financeiramente debilitadas e a casa acaba se tornando um local fundamental para ser ponto de partida. Por vezes, uma pessoa chega já com um emprego em vista, ou um acordo verbal, mas na hora, o contratante não iniciou a colheita ou não tem condições de buscar o trabalhador na rodoviária. Por isso, a Casa de Passagem surge como opção salvadora para quem vive a situação. “Você já vem com um aperto financeiro em uma situação um pouco precária e aí você recorre ao pessoal daqui para conseguir um alojamento, conseguir uma refeição, até você conseguir se encaixar com alguma pessoa da área rural aqui da cidade.”

Ao final da conversa, ele enalteceu o serviço da Casa de Passagem: “Eu posso dizer para você que no meu caso foi muito importante ter esse apoio, porque do contrário, em situações que eu vinha sem o recurso financeiro, meio arriscando, eu não teria condição de pagar hotel. O que acabaria acontecendo é você às vezes até usando um terminal rodoviário por falta de opção e por causa do seu aperto financeiro momentâneo. Então, na sua busca por trabalho, você sem a condição de fazer uma higiene pessoal, sem a condição de fazer uma alimentação, se torna muito mais difícil”.

Walter de Souza chega em Bento Gonçalves para trabalhar na metalurgia

Diferentemente de Samir, o mineiro Walter Martins de Souza chegou na Casa de Passagem com o objetivo de arrumar um emprego fixo e poder morar em Bento Gonçalves. Através de um conhecido que já está na cidade há tempo, ele conseguiu uma proposta de emprego no setor da metalurgia. Então, após a receber a oportunidade, Walter fez as malas e rumou à Serra Gaúcha em busca de uma vida melhor para ele e, no futuro, sua família.

Trabalho na função de soldador. Recebi essa proposta [de emprego] e estou aguardando o momento para começar a trabalhar. Eu estava desempregado na minha cidade e sem condições financeiras no momento. [Sou] pai de família e recebi essa proposta para vir para cá e vim apenas com o dinheiro da passagem. Cheguei aqui esperando o momento de fechamento e na rodoviária eu fiquei sabendo dessa casa.

O relato de Souza, de forma semelhante ao que foi descrito por Samir, por vezes a busca pela oportunidade e necessidade faz com que o interessado precise da Casa de Passagem, pois está em situação extrema. “Fui bem acolhido e é muito importante que as pessoas chegam aqui e, as vezes, não tem recursos para se alimentar, às vezes para hospedar também“.

Ajuda para uma vida melhor

A Casa de Passagem tem um papel fundamental na reintegração das pessoas na sociedade, oportunizando novos começos com dignidade. Muitas histórias, diariamente passaram por ali e ainda vão passar. As pessoas que necessitam de oportunidade para uma melhora de vida, recomeço ou retomada, podem contar com a Casa de Passagem. Casos como de Walter e Francisco são motivo de contentamento para toda equipe que gere o espaço;

Tivemos muitos casos de sucesso, pessoas que acessaram a casa e a partir daqui começaram a trabalhar e hoje ajudam o nosso município como trabalhadores. Pessoas que tiveram problemas e a partir do encaminhamento de toda a equipe de assistência social, do trabalho feito puderam ser encaminhadas às suas famílias e hoje vivem bem. Então muito me orgulha” afirmou Virissimo.