Bento Gonçalves

Audiência em janeiro deve encaminhar solução para impasse em auxílio à Fundaparque

Legislação aprovada sem amparo legal e considerada irregular em ação do MP provocou impasse que impede repasse de recurso

Domingo
Imagem: Arquivo Leouve

Uma audiência de conciliação marcada para o final de janeiro de 2022 deve servir para encaminhar uma solução legal e resolver o impasse com relação à legalidade do repasse de recursos públicos para a formalização de um socorro financeiro à Fundaparque, aprovada por lei em julho. A audiência foi proposta pelo Ministério Público do Estado (MPRS) em uma Ação Civil Pública (ACP) aberta para impedir o repasse de R$ 312.678,33 da prefeitura de Bento Gonçalves para a fundação que administra o Parque de Eventos do município. O promotor Alécio Nogueira, da Promotoria de Justiça Cível de Bento Gonçalves, pediu uma liminar para impedir o repasse, mas a operação, aprovada na Câmara Municipal, foi cancelada pela prefeitura.

O impasse surgiu porque, conforme apurou o MP, a lei 6.728/21, de autoria da prefeitura e aprovada pelos vereadores no final de julho, contém inconsistências importantes, e não encontra amparo nem na legislação vigente e nem no contrato de concessão do espaço, que é do município, para a exploração por uma organização privada. O projeto, de autoria do Executivo, teve sua tramitação no Legislativo avalizada pelo Departamento Jurídico da Casa e pareceres favoráveis de todas as comissões da Câmara.

A investigação questiona a motivação indicada para justificar o repasse do dinheiro como pagamento pela locação dos espaços do Pavilhão E e F entre 13 de fevereiro de 2021 até a publicação da lei, e ao pagamento estimado de uso da locação de outros espaços, utilizados para a vacinação contra a Covid-19 e também para o armazenamento de bens inservíveis que serão objeto de leilão.

Segundo Nogueira, o repasse é irregular porque prevê que a prefeitura pague aluguel de um imóvel que é de sua propriedade, o que já é uma contradição, sem nem mesmo ter um contrato de locação do espaço. Os problemas no projeto haviam sido apontados por dois vereadores, Agostinho Petroli (MDB) e Rafael Fantin (PSD), o Dentinho, que indicaram a possibilidade contratual de efetuar o pagamento de despesas pelo uso dos pavilhões, tese corroborada pelo MP.

Na apresentação da ação, o promotor público afirmou que, ainda que os motivos que embasaram a legislação não apresentassem irregularidade, a intenção real do repasse não era a alegada. Nogueira classificou os argumentos como “uma tentativa de manobra legal – algo perigosamente próximo de uma simulação”, acusa o promotor, feita para maquiar como aluguel o que, na verdade, constituiu um auxílio deliberado do poder público municipal a uma entidade privada sem amparo legal. “É contra esse repasse de verbas públicas, bem como contra a possibilidade de outros repasses futuros da mesma natureza, que se insurge o MP”, escreveu Nogueira.

O promotor desmonta a manobra da prefeitura, que, apesar de aprovar com urgência o auxílio, não repassou os recursos – exatamente pelas suspeitas de irregularidades. Para ele, fica clara a real intenção da prefeitura de auxiliar a Fundaparque com recursos públicos para amenizar a crise financeira da entidade, provocada, em grande parte, pelas consequências da pandemia de Covid-19. Nogueira ressalva a importância da fundação para a administração do parque e a vida cultural e econômica da cidade, mas afirma que “essa relevância não justifica que a entidade, de natureza privada, seja financiada pelo poder público municipal sem justa causa administrativa, recebendo deliberadamente verbas públicas”.

Os fins não justificam os meios

Nogueira afirma que as ações devem estar em conformidade com a legislação, e que não se pode repassar recursos público em desconformidade com a lei. Em suma, a ação do MP serve para mostrar que os fins não justificam os meios. Entre as principais causas para ingressar com uma ação na tentativa de impedir o repasse, o promotor destaca que o parque é do município e, por óbvio, não há como se exigir pagamento de aluguel para que o município utilize os espaços e nem uma indenização pelo uso.

O promotor assegura que é preciso entender que, para que a administração possa atuar, não basta a inexistência de proibição legal, é necessário a existência de determinação ou autorização da atuação administrativa na lei. A ação anallisa o contrato de concessão do parque de eventos para a Fundaparque e define as regras para o uso dos espaços pelo município, que estabelece que o uso dos pavilhões e demais dependências do Parque deve sser permitido ao município para atividades programadas pela Administração Municipal, desde que sejam de caráter sócio-cultural, esportivo, promocional e de lazer, mediante requerimento e apenas se na mesma data nenhum evento esteja programado.

Além disso, em cláusulas inseridas depois, o contrato admite que a prefeitura pode utilizar a estrutura para realizar até cinco eventos por ano, em datas a serem programadas de acordo com a disponibilidade de agenda, e estabelece a garantia de uso “no dia 1º de maio de cada ano”, sem ônus. Porém, em nenhum momento o contrato ou a legislação estabelecem a possibilidade de contratação dos espaços por locação e tampouco a permissão para indenizar este uso. Por isso, o MP considera que o projeto que concedeu o repasse extrapola as previsões legais e é irregular.
Causou estranheza ao MP o fato de que o projeto tenha recebido orientações favoráveis do Departamento Jurídico, que, em documento assinado pelo procurador jurídico Jaime Zandonai e pela diretora do Departamento Jurídico da Câmara, Mariana Largura.

Essa orientação jurídica, que em nenhum momento apontou as inconformidades do projeto com o contrato de concessão do espaço público à fundação, serviu de base para a aprovação do projeto nas comissões de Legislação e Justiça, cujo parecer do vereador Anderson Zanella também não questionou as incongruências, e de Finanças, que também teve um parecer favorável, emitido pelo vereador Davi da Rold, que, assim como os outros, não indicou problemas para a tramitação.

Possibilidade legal é conhecida

Ainda que a tramitação do projeto tenha sido feita às pressas, de modo a não permitir questionamentos, alguns vereadores apontaram os problemas confirmados pela ação judicial e indicaram possíveis alterações, baseadas no contrato de concessão, que poderiam tornar legal o repasse, mas os entendimentos não evoluíram, e o governo preferiu correr o risco e aprovar uma legislação evidentemente sem o devido amparo legal.
Essa alternativa está em uma outra cláusula, inserida no contrato pelo 1º Instrumento de Aditamento, em 2010, que define a previsão de que a prefeitura se responsabilize pelas “despesas de água, luz, ar condicionado e limpeza geradas durante esses eventos, bem como os danos causados ao espaço”.

Essa possibilidade chegou a ser apresentada durante a tramitação do projeto no legislativo, mas a insistência do governo em manter o projeto na pauta e aprovar com a maioria dos votos sem levar em conta as evidentes irregularidades e ignorar as possibilidades reais para atender à solicitação da entidade, que justifica a necessidade dos repasses em consequência da proibição para a realização de eventos durante a pandemia de Covid-19 e outros aspectos que provocaram uma grave crise financeira à fundação, e não tem responsabilidade sobre a má condução do caso pelo governo e de seu braço legislativo, provocou um impasse desnecessário.

É este entendimento que a audiência de conciliação deve impor aos envolvidos, e possivelmente poderá propor uma alternativa legal para encerrar o impasse de forma propositiva. Em um evento como a vacinação, realizada em pelo menos dois dias da semana ao longo de praticamente o ano inteiro, seguramente as despesas que a prefeitura pode pagar amparada pela lei podem ajudar a resolver o problema de custos da organização.

Esta seria a única possibilidade de ressarcimento estabelecida no contrato de concessão do parque, e configura uma alternativa viável, na forma da lei, para cumprir o objetivo de repassar os recursos para a administração do parque. E, depois da correção de rumos e do puxão de orelhas, mesmo um novo projeto no início do próximo ano, que preveja a indenização por alguns custos permitidos pelo contrato, poderá virar lei. A diferença é que, dessa vez, tudo terá sido feito dentro da lei.