Desde a madrugada do dia 25 de março de 2025, seis famílias do bairro De Zorzi II, na Zona Leste de Caxias do Sul, vivem uma rotina de insegurança e espera. Tudo começou quando rachaduras e fissuras começaram a aparecer nas paredes, tetos e pisos de três sobrados localizados na rua Luiz Gaio. Diante do risco de colapso das estruturas, os próprios moradores acionaram o Corpo de Bombeiros, que, prontamente, interditou os imóveis e determinou a evacuação imediata das residências.
Os moradores relataram que as rachaduras surgiram repentinamente, durante a madrugada. Eles conseguiram sair a tempo, sem feridos. A Defesa Civil isolou a área, e a Prefeitura passou a acompanhar a situação, oferecendo banheiros químicos e reforço da segurança no local com a Guarda Municipal. Ainda assim, a insegurança e a sensação de abandono tomaram conta das famílias, que montaram acampamento na calçada, diante das residências interditadas.
Desde o dia em que tudo aconteceu, a vida virou um acampamento. Literalmente. A rotina? Desgastante. Cansativa. Gente que trabalha, que paga imposto, que só quer voltar a ter um lar – agora revezando entre barracas, casas de parentes e banhos improvisados. Do que havia dentro das casas, tudo permanece intacto. Os móveis ainda estão lá, presos atrás de fitas e muros rachados. Os moradores se revezam: alguém fica, alguém vai. Pra proteger. Pra cuidar.
A situação ganhou um novo desdobramento com a emissão de um laudo técnico da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos (SMOSP), que recomendou a demolição de três dos dez sobrados interditados. Segundo o laudo, esses imóveis apresentam risco de colapso estrutural e, por isso, não podem ser habitados. Nos outros três, a demolição dependeria de uma avaliação mais aprofundada, para determinar se são estruturas independentes ou conectadas às que estão comprometidas. Caso haja ligação, a recomendação também é pela demolição total.
Responsabilidade e prazos
As casas foram construídas por meio de financiamento da Caixa Econômica Federal. Por esse motivo, a Prefeitura afirma que a responsabilidade pela demolição recai sobre o banco, por se tratar de um conjunto habitacional particular. A administração municipal chegou a solicitar, oficialmente, que a Caixa agilizasse a resposta das seguradoras contratadas pelos mutuários, alegando que há risco iminente de desabamento. No entanto, foi informada que o prazo previsto para retorno das seguradoras seria de até 30 dias — tempo considerado excessivo pelos moradores e pela própria Prefeitura.
Enquanto esperam, os moradores enfrentam o abandono. A prefeitura não deu mais suporte desde o laudo. A Guarda Municipal, que antes ficava dia e noite, agora nem ronda mais faz. E a última notícia – de que não haverá demolição por parte do município – chegou pela imprensa. Em entrevista ao Portal Leouve, Joel Netto da Anunciação, presidente da Associação dos Moradores do Condomínio Residencial Jardim Veneto, lamentou:
“A gente se sente desamparado. Todo mundo trabalha, contribui, paga imposto… e agora, quando a gente mais precisa, se sente abandono.”
Até os banheiros do acampamento foram retirados sem aviso.
“A gente não soube oficialmente que iam buscar. Simplesmente vieram e levaram. Depois de muita mobilização, trouxeram de volta.”
Mesmo com a área interditada, há quem continue dormindo por lá, em turnos.
“Essa questão de estar aqui, fazendo revezamento dia e noite, é muito por conta minha, pra zelar pelos bens. Já ouvi relato de gente estranha passando, tentando entrar. Se a gente não cuidar, quem vai?”


Ações legais e suporte
A Procuradoria-Geral do Município também se manifestou, orientando que a Prefeitura não realizasse a demolição por conta própria, já que os imóveis estão em área privada e não há justificativa legal que configure interesse público direto. A administração reforçou, no entanto, que segue prestando suporte às famílias e monitorando os imóveis por meio da Defesa Civil, enquanto cobra uma solução mais ágil por parte da Caixa e das seguradoras envolvidas.
Sem respostas oficiais, a comunidade se organizou. Com apoio do advogado Luiz Gustavo, criaram uma associação para conduzir coletivamente as ações judiciais.
“A gente está unido por um único objetivo: nós tínhamos uma casa, tínhamos uma rotina. Hoje, não temos mais nem casa, nem rotina. O mínimo era a gente ter o direito de ir pra algum lugar, seja ele alugado ou não. Mas pra isso precisa haver definição. A gente acorda e dorme com o mesmo sentimento: o de que as coisas não andam.”
Enquanto isso, seguem os dias entre barracas, promessas e incertezas.