Outro dia falei na Rádio Jovem Pan da Serra sobre um tema que, dada a sua magnitude, penso que seja bem útil repisar e refletir.
Nossa Constituição Federal, no Título II, quando trata dos Direitos e Garantias Individuais (fundamentais), tem um artigo, o 5º, que, em seu inciso XXXVI, diz o seguinte: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Vamos nos concentrar neste último aspecto: “a coisa julgada”.
O que é isso? A “coisa julgada” é aquela decisão judicial sobre a qual, definitivamente, não caiba mais recurso algum. Aquilo sobre o que já se recorreu e não cabe mais se discutir, pois o Poder Judiciário já se pronunciou derradeiramente sobre a questão.
Por evidente, essa garantia tem uma racionalidade, uma razão de ser, que está ligada à segurança jurídica e ao princípio da proteção da confiança. A segurança é algo inerente ao ser humano e suas relações com outras pessoas. Não é sem razão que, no geral, o ser humano teme o novo, aquilo que não conhece, como tem medo das mudanças.
Esse temor se repete nas relações jurídicas; daí por que a segurança jurídica e a confiança no que definitivamente decidiu o Poder Judiciário deve trazer o selo da “imutabilidade”: o que finalmente foi decidido, decidido está e para sempre.
Mas (tem sempre um “mas”), o princípio comporta algumas flexibilizações necessárias para que injustiças não sejam perpetuadas. Na esfera cível, a coisa julgada pode ser desconstituída (desfeita) em determinado prazo legal (cinco anos), em hipóteses que a lei prevê (Ação Rescisória). Demais disso, novas tecnologias podem alterar a possibilidade de uma prova que antes era impossível. Isso aconteceu muito depois do advento do Exame de DNA, que trouxe a certeza absoluta da origem biológica antes não existente nos simples exames de sangue comuns.
Na esfera criminal, temos a Revisão Criminal (a qualquer tempo; não há um prazo fixo), ação de manejo exclusivo da Defesa, quando o processo em que se produziu a tal da coisa julgada contenha alguma nulidade absoluta (que não se convalida nunca) ou sobrevenha fato novo que comprove a inexistência do crime ou que o acusado não era, em absoluto, o seu autor.
Pois não é que as Cortes Superiores, por interpretação, resolveram ampliar essas hipóteses que são a exceção? É. Há pouco, o Superior Tribunal de Justiça, por sua 1ª Seção, no AR n.º 6.015, entendeu que é possível usar a Ação Rescisória para desconstituir o resultado de um processo já encerrado quando, posteriormente, houver mudança e a consolidação de posição em sentido oposto ao que foi decidido.
Na mesma linha de colocar em xeque a coisa julgada, o STF decidiu, recentemente, permitir a quebra das decisões definitivas por eventual mudança de entendimento da Corte em questões tributárias. Assim, por exemplo, se um contribuinte foi autorizado pela Justiça a deixar de pagar um tributo, mas, futuramente, o Tribunal Superior entender que a cobrança é devida, o contribuinte não terá mais o direito que antes lhe foi reconhecido e precisará passar a fazer o devido recolhimento do tributo (agora interpretado como devido).
Você acha que entendeu errado? Não! Você entendeu certinho. Aquela segurança jurídica da qual se necessita para viver, por questão de confiança e estabilidade, passou a ser, salvo melhor juízo, um simulacro de segurança, o que só contribui para o descrédito e a incerteza das coisas e do Direito.
Imagino que, agora, o advogado terá que falar mais ou menos assim com o seu cliente:
⁃ (Cliente) E aí, Doutor, a gente ganhou definitivamente a causa, pois gora que não cabe mais recurso?
⁃ (Advogado) Em termos. Ganhamos, mas, se as Cortes Superiores mudarem de entendimento sobre esse tema no futuro, então, perderemos!
A coisa julgará foi colocada sob condição futura é incerta, inclusive dependente da composição das Cortes em dado momento histórico. Simplesmente assim. Acho que a doutrina terá que se debruçar sobre tudo isso que se afigura bem nebuloso sob o ponto de vista da luta contra situações arbitrárias.