
Localizado no coração de Farroupilha, na Rua Rui Barbosa, ao lado da Igreja Matriz, o Museu Municipal Casal Moschetti guarda, em seu acervo, milhares de itens que vão de livros a móveis centenários; de estátuas a porcelanatos finos; de obras de arte até um espelho banhado à prata. Todos os itens pertenceram, principalmente, à Lydia Moschetti, italiana de origem, mas gaúcha e farroupilhense de coração.
Porém, entre todos os itens, o que sempre chamou mais a atenção é uma boneca feita de porcelana, chamada Lenci. O nome é um acrônimo de Ludus est Nobis Constanter Industria, empresa que fabricou a boneca. São poucos os farroupilhenses que nunca ouviram as lendas que rondam a história de Lenci. Há quem diga que seus olhos piscam. Outros garantem terem visto a boneca na janela do museu, principalmente à noite. E ainda há aqueles que afirmam que, ao chegarem no museu, viram ela em uma posição e quando saíram do lugar, ela estava em outra.
Mas, até chegarmos a Lenci, é preciso entender quem foi o casal Moschetti. Nascidos na Itália no final do século XIX, vieram ao Brasil separados. Foi aqui onde se conheceram e se apaixonaram. Lydia era uma artista nata: cantora, compositora, poetisa e pintora. Além disso, sempre esteve muito ligada à causas sociais, principalmente no auxílio de pessoas com problemas de visão.
Ela foi fundadora do Instituto Santa Luzia, que profissionaliza cegos com cursos, e do Banco de Olhos do Rio Grande do Sul, sendo considerada a Mãe dos Cegos do Estado. Luiz fez fortuna com uma empresa de embalagens, o que dava à esposa um tempo de livre para se dedicar à arte e ao assistencialismo.
O historiador e responsável pelos museus de Farroupilha, Vinicíus Pigozzi, contou qual a relação do casal com Farroupilha:
“Eles residiam em Porto Alegre, na região do bairro Moinhos de Vento. A relação deles com Farroupilha se deu pelo filho adotivo, Humberto, que teve problemas respiratórios e teve como orientação médica que a família viesse para os “ares da Serra”. Isso permitiu que eles se aproximassem muito de Farroupilha. Além disso, o fato de a cidade ser o Berço da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, fez com que a família escolhesse pelo local”, disse.
Devido à essa relação de proximidade, Lydia decidiu doar todo o seu acervo para a cidade. O prefeito da época, Avelino Maggioni, criou o museu na antiga Casa Paroquial, construída pelo Monsenhor Thiago Bombardelli. Nascia, assim, em 1972, o Museu Municipal Casal Moschetti.
A boneca ficou conhecida por conta das lendas que se criaram ao redor dela. Ela é feita de porcelana, tem o tamanho de uma criança de 8 anos de idade e foi criada na década de 1930. Um dos pontos que chama a atenção é o fato de ela possuir cabelos humanos. Além disso, é importante destacar que Lenci foi ganhada por Lydia durante um concurso de canto em um cruzeiro, e está no acervo do museu desde a sua criação.
Conforme Pigozzi, o mito ao redor da boneca começou quando um vigilante, na época em que o local não possuía sistema de alarmes, teria dito que viu a boneca se mexer. Em uma noite, durante a sua patrulha, acredita-se que as madeiras do assoalho tenham se mexido devido a ação do tempo. Ele, assustado, olhou para a boneca acreditando ter sido ela. O homem, então, saiu porta a fora do museu, correndo pelas ruas do centro de Farroupilha, dizendo que Lenci estava viva.
A partir disso, são inúmeros os relatos de pessoas que juram terem visto a boneca piscar, se mexer e, em casos mais obscuros, Lenci teria sido vista na janela do museu, à noite, com as luzes do local acessas. Pigozzi disse que, às vezes, por esquecimento da equipe, alguma luz pode sim ficar ligada no museu, alimentando esse mito. Mas, questionado se acredita ou não que a boneca seja mal-assombrada, ele alega não poder garantir:
“Olha, 100% a gente não pode garantir nada na vida, né? (risos). Tem um ditado que diz que “100% certo, só a morte e os impostos”. Eu não posso garantir nada, mas desde que eu estou aqui, nunca presenciei nada. Já vim algumas vezes à noite aqui e ela estava sentadinha no mesmo lugar. Ainda bem, né? Se não até eu sairia correndo”, disse ele.
Mal assombrada ou não, bonita ou feia, a decisão é de cada um. O fato é que o mistério da boneca, prestes a completar meio século em Farroupilha, ajuda no movimento do museu, que chega a receber 2,3 mil pessoas ao longo do ano.
Para quem quiser tirar a dúvida, ele fica aberto de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, nos dias de semana. Há ainda a possibilidade de agendamento para visitas em horários diferenciados, inclusive nos finais de semana.